segunda-feira, dezembro 24, 2012

Dezembro

Foram os finais de tarde mais bonitos
Os daquele dezembro

O trem

Às vezes sinto como se tivesse estado na estação 
de onde partiu o trem da história 
Todos embarcaram, mas escolhi ficar ali 
observando 
Tão bonito o trem partindo

sábado, dezembro 22, 2012

Fundação das classes sociais

Nos primeiros tempos, tempos de fome, a primeira mulher estava cavando a terra quando os raios de sol a penetraram por trás. Um instante depois, nasceu uma criatura.

O deus Pachacamac não achou a menor graça naquela gentileza do sol, e despedaçou o recém-nascido. Do mortinho brotaram as primeiras plantas. Os dentes se transformaram em grãos de milho, os ossos foram aipim, a carne se fez batata, inhame, abóbora... 

A fúria do sol não se fez esperar. Seus raios fulminaram a costa do Peru e a deixaram seca para sempre. E a vingança culminou quando o sol partiu três ovos sobre aqueles solos. 

Do ovo de ouro saíram os senhores.
Do ovo de prata saíram as senhoras dos senhores.
E do ovo de cobre saíram os que trabalham.


~ Eduardo Galeano - Espelhos ~

Breve história da civilização

E nos cansamos de andar vagando pelos bosques e pela beira dos rios.

E fomos ficando. Inventamos as aldeias e a vida em comunidade, transformamos o osso em agulha e o espinho em arpão, as ferramentas prolongaram nossas mãos e o cabo multiplicou a força do machado, do arado e da faca. 

Cultivamos o arroz, a cevada, o trigo e o milho, e prendemos em currais as ovelhas e as cabras, e aprendemos a guardar grãos nos armazéns, para não morrer de fome nos tempos ruins. 

E nos campos lavrados fomos devotos das deusas da fecundidade, mulheres de vastas cadeiras e tetas generosas, mas com o passar do tempo elas foram trocadas pelos deuses machos da guerra. E cantamos hinos de louvor à glória dos reis, dos chefes guerreiros e dos sumo sacerdotes. 

E descobrimos as palavras seu e meu e a terra passou a ter dono e a mulher foi propriedade do homem e o pai, proprietários dos filhos. 

Lá para trás ficaram os tempos em que andávamos à deriva, sem casa nem destino. 

Os resultados da civilização eram surpreendentes: nossa vida era mais segura e menos livre, e trabalhávamos mais horas.

~ Eduardo Galeano - Espelhos ~

segunda-feira, dezembro 10, 2012

La Máquina


-Tengo frío.
-Ponete así. Me gusta tenerte así.
-La pierna. Acá. Así.
-¿Estás bien?
-¿Y vos?
-Muy.
-Ah
-¿De qué te reís?
-Para mí, fue una sorpresa. Quiero decir: después. Me parecía increíble que el mundo no hubiera cambiado. Me miré al espejo y yo tampoco había cambiado y me mordía los labios. Quise estudiar y no pude. Quise estar con mis amigas y no pude. Quise escribir cartas, quise trabajar. Quise dormir y tampoco pude.
-¿De eso te reís?
-No me bañé. Tenía tu olor en todo el cuerpo.
-¿De eso?
-No, no. Después te digo.
-Ahora.
-No, después.
-No me interesa.
-Entonces te lo digo. Lo bien que me caés. Eso.
-¿Eso? ¿Y entonces yo?
-¿Qué?
-Mucho más que eso. Contigo no siento miedo de nada.
-Mirá que no soy una santa. Me como las uñas. Te advierto.
-El miedo es una porquería.
-Y sí. Pero, ¿quién no siente miedo?
-¿Vos sentís?
-No tires ahí la… No seas chancho.
-¿Miedo de qué? ¿De que estemos así, como estamos?
-No sé. O sí sé. Siento, como cualquiera.
-Pero juntos, no. Juntos estamos a salvo. Al miedo lo ponemos bajo la suela del zapato y crash: lo aplastamos como a una porquería.
-Oigamé, Pirata. Prometamé, Pirata.
-La escucho. Prometo.
-¿En serio?
-Sí.
-Nunca vamos a dejar que esto se pudra. ¿Eh? No vamos a permitir nunca que esto se pudra.
-¿Nada más que eso? Es fácil.
-No.
-¿No qué?
-No es nada fácil.
-Si usted lo dice.
-Y nunca nos vamos a lastimar. ¿Nos prometemos eso? Es peligroso.
-¿Dejar el cuero en el alambrado?
-Algo así. Puede ser.
-Tanta alegría. Es un regalo. ¿Por qué nos vamos a joder? No me gusta que te pongas solemne.
-¿Qué hora es? Uy, hace dieciocho horas que estamos por levantarnos.
-Nos vamos a enfermar.
-Tendríamos que levantarnos.
-Nos vamos a evaporar.
-¿No íbamos a ir al cine?
-¿Cuándo fue eso? ¿Ayer? ¿Anteayer?
-¿No ibamos a bajar a comer?
-Sí. Tendríamos que levantarnos.
-Esto es mejor que Buster Keaton.
-Esto es mejor que todo.
-No hay nada que…
-Ponete así. Así. Me gusta dormir así.
-Vas a dormir.
-No. Zonzo. Quiero que te quedes. Quedate. Quiero.
-Yo también quiero. Cuando era chico, me alcanzaba con querer una cosa con muchas ganas, para que ocurriera. Cerraba los ojos, pensaba con todas mis fuerzas en eso que quería y zácale: ocurría.
-Cuándo yo era chica, lo que quería era un telescopio.
-¿Uno de esos grandes, que usan los astrónomos?
-Uno enorme. Yo lo había visto en el museo. Como no tenía telescopio, siempre me parecia que se había escapado alguna estrella.
-¿Y eso te importaba?
-Vivía deseando que se viniera la guerra. Una guerra bien grande, para mezclarme con los japoneses y robarme el telescopio. Alguien iba a romper los vidrios a patadas y yo iba a aprovechar y me iba a escapar corriendo con el telescopio entre los brazos. Pero solita no me animaba.
-Hubieras probado.
-¿Y vos?
-¿Yo? Yo era católico, cuando chico.
-¿Como es creer en Dios Mariano? Nunca creí.
-Como creer en la revolución, me imagino. Te da la misma alegría y la misma sensación de no estar solo. Cuando era chico, yo no sentía miedo nunca. Pero un buen día… No, nada.
-Me gusta escucharte.
-Nada.
-Andá, no seas malo.
-Dame un cigarrillo.
-Esperá, no apagues.
-Quiero decir que un buen día lo buscás y no está. Quiero decir: perdés a Dios como se pierde una cosa. Algo que se cae del bolsillo. Como se pierde un encendedor, así.
-Para mí, Dios era un señor de barba que metía miedo a los demás.
-Para mí no.
-Ya veo.
-Era mucho más que eso, para mí. Todavía no sé con qué se rellena ese agujero.
-Ahora es usted el que se puso solemne, Pirata.
-Puede ser, perdona.
-Pero… Mariano. Estás triste. Te vino la tristeza.
-No.
-¿No qué?
-No estoy triste.
-Sí estás.
-Sí. Estoy.
-No hay que hablar tanto.
-No.
-Uno no debería.
-Se arruina todo por culpa de las palabras.
-Sí.
-Mirá.
-¿Qué?
-Los pájaros, en la ventana.
-Hace rato que vienen pasando.
-Se va a venir tormenta, me parece, y nos vamos a mojar.
-Sí. Al irnos, nos vamos a mojar.

Eduardo Galeano – La canción de nosotros.

quarta-feira, novembro 14, 2012

Benedetti...


O primeiro dia


O bebê foi matriculado em um jardim de infância, pois sua mãe precisava voltar a trabalhar. Ele ainda era apenas um pequenino, mas não qualquer pequenino. Tinha alguma coisa a mais que dava para ver nos olhos, algo que muita gente grande não tem.

No momento de entregá-lo às professoras seus pais tiveram aquele frio na barriga característico do primeiro dia. Uma das professoras era negra e o bebê havia tido pouquíssimo contato com pessoas negras em sua curta vida, por isso todos acharam que ele estranharia no primeiro contato.

Mas o bebê abriu os braços e deu-se sem reservas, ignorando a distinção de cor ou o desafio do primeiro dia longe de casa, tentando tocar o rosto da professora, como só fazia com sua mãe. 

Era mesmo um bebê inteligente. 

domingo, novembro 11, 2012

Talvez...

Um dia ligou e apresentou-se como aquele garoto que a conhecera há 15 anos, no interior. Uma parenta incomum havia lhe passado o telefone. Disse que viria morar na cidade dela. Convidou-a para sair. Tentou desenvolver um assunto. Ela não deu bola, despistou-o logo. Na verdade, achou-o chato. A mesma coisa aconteceu outras vezes, mas ela já não lembrava quando veio a notícia inesperada: matara-se. Tristeza não seria a palavra, já que nem o conhecia. Mas não podia deixar de pensar que, mesmo sendo uma possibilidade remota, mesmo sendo prepotência, talvez pudesse ter salvado uma vida.

sábado, novembro 03, 2012

Sobre a capacidade de ser quem se é

Era tarde da noite e uma quantidade considerável de álcool já havia sido ingerida. Havia um homem sentado na frente dela que falava sem parar. Ele tinha um tom de voz doce que não combinava com sua idade, já um pouco avançada, nem com seu porte físico imponente. Falava frases moles, clichês, coisas falsamente profundas. Tentava impressioná-la, provavelmente procurando moldar a si mesmo de acordo com o que achava que ela gostaria. Mas a moça não prestava muita atenção. Na verdade, ela exercitava algo que gostava de fazer às vezes: prestar atenção no que via, como se visse pelo visor de uma câmera fotográfica, regulando o foco com os próprios olhos – às vezes deixando o homem em primeiro plano, às vezes em segundo. Era um prazer muito pessoal, que contado em voz alta pareceria loucura. Não valeria à pena tentar mostrar a ele quem realmente era e as coisas que pensava. Ele poderia demorar anos para entender e uma só noite já estava bastante entediante. Tomara que ele encontre alguém por aí que se impressione com o tipo de coisas que ele fala, pensou ela, enquanto sorria um sorriso de gentileza e balançava a cabeça afirmativamente para alguma coisa qualquer. Ou, melhor, tomara que ele encontre alguém por aí que não o faça sentir necessidade de fingir. Então ela tomou um taxi e se foi.

terça-feira, outubro 30, 2012

Insone

O mormaço
aço
aço
Queima
teima
teima
Não sente
ente
ente
Por favor, amanheça
cresça
cresça

Chuva!


É preciso chover
Muito
Pra levar pelos ralos esse calor
Bolor
Rancor
Pavor
Essa falta de amor

domingo, outubro 21, 2012

Uma resposta

Tanto tempo afastando-se 
Sempre indo embora
Voltando apenas às vezes 
Vivendo e sentindo tudo à distância 
E naquele dia entendeu 
Que, na verdade, gostava da própria companhia 
Sorriu

Je veux

"Je Veux d'l'amour, d'la joie, de la bonne humeur 
(...) 
allons ensemble, découvrir ma liberté, 
oubliez donc, tous vos clichés, bienvenue dans ma réalité!"



Zaz

domingo, outubro 14, 2012

Marina

No dia em que saí daquela casa Marina disse: "Seja lá o que fizeres na vida, faça por mim". E assim o fiz, todos os dias, até a morte.

Marina tinha pele quase negra e olhos azuis. Nunca entendi aquilo, nem conheci outra pessoa com atributos iguais. Muita coisa nela me era incompreensível. Algumas se solucionaram com o tempo, outras esqueci, outras atormentaram meus sonos ao longo dos anos.  

Amei-a todos os dias, antes e depois de nós. Havia amor por ela nos meus passos, nas coisas mais banais da vida. Mas apesar disso saí daquela casa um dia e nunca mais voltei.

Nós dois fomos definidos pela contradição, que pode ser explicada assim: a mulher que me molhava a testa no momento em que morri não foi a mulher que mais amei. Foi apenas minha mulher. E, independente disso, era uma grande mulher. 

Just Like a Woman

"She takes just like a woman, yes 
She makes love just like a woman, yes, she does 
And she aches just like a woman 
But she breaks just like a little girl"

(BD)

segunda-feira, outubro 08, 2012

Borrão


Não sei de quem é, mas foi uma das coisas mais bonitas que achei por aí nestes dias...

domingo, setembro 23, 2012

Desimaginações

Depois que ela cresceu um pouco, percebeu que nem tudo que a fazia sentir certo frenesi realmente existiu. Em tudo havia um pouco de imaginação. E de repente ela queria até ficar um pouco sozinha. – Com licença, será que já não está na sua hora de ir embora? Ela só queria ligar um som e escrever umas palavras sem dizer coisa alguma. Sem precisar sustentar assuntos intermináveis, um tanto enfadonhos, dessas coisas que as pessoas fazem pra conviver em sociedade. Há pouco ela tinha descoberto que nem era tão difícil virar as costas e simplesmente sair sem deixar cair lágrima alguma. Devia praticar mais isto. É difícil achar alguém que nos inspire à ilusão. Alguém que nos falte mesmo sem ela é ainda mais raro.


quinta-feira, setembro 20, 2012

domingo, setembro 09, 2012

Saltando

Sabe quando você pega uma carona errada e salta do carro em movimento antes que ele te leve a um destino incerto? Acontece sempre, né? Tipo isso.


domingo, agosto 26, 2012

...

Para escrever um poema é preciso saber beber, digo, viver.  

A terceira forma de amar

Poucas pessoas no mundo sabem – eu mesma só aprendi ontem, mas existe uma terceira forma de amar. Uma forma que não a amizade, que não o romance, uma forma que leva um pouco destas duas coisas, mas que não é, necessariamente, nenhuma delas. 

A terceira forma de amar gosta do toque, mas na falta dele sobrevive por cartas. Ela não exige sexo, mas também não proíbe. Ela não pode ser entendida por todos, nem vivida por muitos. Não no mundo atual, com suas certezas erradas e preconceitos atrasados. 

A terceira forma de amar também tem regras, sempre baseadas no mútuo querer: não leva amarras, não impõe grades, abre sorrisos, enxuga lágrimas, tem a ver com cheiros, gostos, perfumes, poesia... Tem a ver com a sensação de um dedo num lábio (que escorre para o queixo e volta para o contorno das pálpebras).

A terceira forma de amar não quer o delírio que cega e deprime, mas não rejeita o leve voo da consciência. Para entendê-la é preciso ter real prazer no prazer alheio. É preciso saber amar. É preciso saber gozar. 

Ela tem a ver com a música e com os músicos. Tem a ver com as letras e com quem escreve. Tem a ver com quem possui a sensibilidade de perder um pedaço da vida tentando expressar algo – porque só perde tempo com isso quem tem consciência do valor que a vida tem, da sua e da dos outros. 

A terceira forma de amar é o infinito. E o infinito – explicou-me há muito meu pai – é algo que não tem fim. E o que não tem fim não cabe em qualquer lugar, só em cabeças e corações muito grandes... 

É para isso que temos trabalhado, em prol da expansão das cabeças e dos corações.

Um querido

O dono do abraço mais seguro que um porto 
Era o último dos românticos deste Oceano Atlântico 
E eu, 
a penúltima, 
jurava que existiu mesmo uma maçã podre. 

E assim nos despedimos sorrindo... 

Promete pra mim que você será feliz.

segunda-feira, agosto 20, 2012

La noche/1

Pensava então naquelas linhas de Galeano... 

“No consigo dormir. Tengo una mujer atravesada entre los párpados. Si pudiera, le diría que se vaya; pero tengo uma mujer atravesada en la garganta.” 

 El libro de los abrazos

Devolva-me

Aquele sentimento era algo de hipnotizante, algo de inexplicável. Era como qualquer coisa entalada na garganta, coisa que ao olhar nos olhos não se conseguia pronunciar. Então olhava para os lábios e procurava ali palavras que o outro também não sabia dizer... 

Devolva-me o chão, seja lá o que fores!

domingo, agosto 12, 2012

Uma linda

Ela usava uma saia curta com várias camadas de babados, uma jaqueta jeans rosa e óculos escuros. A sandália de salto ressaltava a beleza das longas e grossas pernas. Era loira e falava impacientemente ao celular. Com a luz daquele fim de tarde ensolarado e o Bob Dylan do meu fone, podia bem ser a personagem de algum filme bonito que passasse no cinema. Mas ela não sabia, estava nervosa, certamente alguém a deixara esperando, em frente àquele prédio, ali em frente.

quinta-feira, agosto 09, 2012

Habitat natural

Jornais inteiros, picotados, de ontem, hoje e transontem. Papeis com anotações de tarefas de dias passados, para hoje e amanhã. Umas caixinhas de som, telefones, um calendário, uma mochila e uns objetos retrôs e uns objetos tecnológicos da hora. Uma calculadora jogada, um penal do Perú e um penal do Uruguay.

quarta-feira, agosto 01, 2012

Só para lembrar...

Porque às vezes as pessoas maravilhosas também precisam ser lembradas do quanto as amamos. Porque o mundo é todo torto e algumas pessoas direcionam seus sofrimentos em quem sabe viver. Porque nós sabemos viver. Todos nós. E foi você quem nos ensinou. 

"Continuemos o show"

Dos comunistas en el Río de la Plata... Enero de un buen año

sábado, julho 28, 2012

sábado, julho 21, 2012

Summertime Sadness


"Kiss me hard before you go
Summer time sadness
I just wanted you to know
That baby you're the best"




É da Lana Del Rey e eu roubei do Jujuba Tarja Preta, porque veio a calhar...

quinta-feira, julho 19, 2012

A boneca

Uma boneca linda, apaixonante, foi encontrada por uma alma doce, como que de uma criança. Com a boneca a alma andou até uma encruzilhada, onde avistou algo que parecia ainda mais bonito. Então a sentou cuidadosamente em um gélido banco, deu-lhe um beijo e seguiu em busca do novo. 
 A boneca... 
A boneca ainda não sabia como se sentia.

sábado, junho 16, 2012

Que bonito...

Então ele falou que tinha essa mania, de se apaixonar demais, apaixonar-se muito por uma pessoa e se apaixonar por muitas pessoas, paixões em todas as suas nuances. E ela pensou: que bonito, também me sinto assim... Como será que algumas pessoas conseguem achar isso errado?

segunda-feira, junho 11, 2012

Um sótão



Em um sótão, daqueles em que crianças brincam em filmes americanos, em uma casa bem longe, ouvindo discos antigos, a vida parecia um livro. Um bom livro, dos que valem o tempo e a dedicação dispensada. 

domingo, junho 03, 2012

...

Quanto tempo passaram mentindo para nós...
o suficiente para nos fazer sentir desconfortáveis perante à sinceridade.

sábado, junho 02, 2012

Miopia

Quase dia, mas ainda noite...
Em um ônibus que se distancia mais e mais de algum lugar, um restolho de cidade vai passando, cada vez menor.
Aos meus olhos nus o mundo acende-se em bolas borradas cor de laranja. 
O dia começa a mostrar-se e restam apenas resquícios de luzes. Distingo grandes massas escuras, montanhas. O horizonte é disforme, pegou penugem.
Alguém disse-me certo dia, que talvez isso não significasse ver menos, mas ver diferente. Parece um pouco com o que eu pensava desde pequena, que, talvez, para mim o mundo fosse diferente.
Às vezes eu queria saber desenhar, pra mostrar às pessoas algumas coisas que vejo.
Agora já é dia.

domingo, maio 27, 2012

Ó, deus

Cabelos. Enroscados. Corpos. Suor. Ó, deus. Como eu te gosto. Grandes olhos. Lindos olhos. Lindos lábios. Ó, deus. Não me olhe assim. Minhas mãos. Suas mãos. Cheiros. Ó, deus. Não deixe. Nunca deixe amanhecer. 

quarta-feira, maio 16, 2012

Tudo e nada

Nada dura pra sempre. Pensei nisso dia desses. A vida é feita de coisas que vão morrendo, todo o tempo. 
Tudo sempre recomeça. Pensei nisso dia desses. A vida é feita de coisas que vão nascendo, todo o tempo.

sábado, maio 05, 2012

Passarinhos

Passarinhos não deveriam viver em gaiolas
Porque eles voam e são livres
Depois que as grades se abrem
Muitos não voltam
Aquele que voltar 
É o seu melhor presente

sexta-feira, abril 27, 2012

O fim de uma longa vida

Hoje cedo acalmei um pouco a mente, passei um café fresquinho e olhei pela janela. Foi uma homenagem particular a ele, nascido num tempo em que as pessoas não corriam tanto. 

Ele se foi esta manhã, levando consigo o segredo do que tinha nas mãos. Nos últimos anos, degenerado pelo Mal de Alzheimer, ele cutucava sempre alguma pequenina coisa imaginária na palma da mão esquerda. Era como se fossem sementes, pedrinhas, algo assim...

Hoje fiquei contente pelo dia estar bonito. Acho que ele gostaria disso.

segunda-feira, abril 23, 2012

Pedro

Hoje conhecemos o Pedro e ele é lindo. O Pedro vai crescer e ser forte como uma pedra. Ele tem um berço simples e a maioria das suas roupas cheirosas já foram usadas pelos primos. O Pedro não tem frescura, porque é filho de trabalhadores. Foi gerado durante uma greve e nasceu às vésperas de outra. O Pedro tem cara de brabo e abriu os olhos precocemente. Para tirá-lo da barriga foi preciso muita força, fez-nos pensar sobre como é difícil chegar ao mundo, só não menos do que viver nele. Hoje o Pedro nos arrancou algumas lágrimas...

sexta-feira, abril 20, 2012

Vivendo e aprendendo

Eu não sabia que existia um ofício chamado descongelador de corações.
Mas achei alguém que faz.  

domingo, abril 08, 2012

Às vezes

Às vezes eu me pergunto se você morreu, baby.
Talvez você nem tenha existido.
Às vezes eu ainda me pergunto.

sábado, abril 07, 2012

Mentirinhas

Não gostava,
Está bem, talvez gostasse um pouquinho.
Não sentia ciúmes,
Está bem, talvez sentisse um pouquinho.
Não fazia diferença em sua vida,
Porra, fazia diferença pra caramba. 

Melhor rezar uma Ave Maria. 

sexta-feira, abril 06, 2012

Dores de crescimento

Quando eu era pequena às vezes sentia dores nas pernas e me lembro de as pessoas falarem que eram "dores de crescimento". Tenho tido um tipo de incômodo ultimamente, não são mais dores físicas, nem mesmo chegam a ser emocionais, são dores de pensamento, de ideias, de preocupações. É estranho, porque eu tenho certeza de que continuam sendo dores de crescimento e então eu me pergunto onde vou parar.

Há três meses eu ainda me questionava como as pessoas sabem que viraram adultas. Acho que é isso e acho que eu queria voltar para a barriga da minha mãe. 

quinta-feira, março 29, 2012

O louco do quarto abaixo

Acordou assustada com berros que vinham do lado de fora. "Polícia, chamem a polícia!". Olhou o relógio: duas da manhã. Abriu a janela ao lado da cama. Os gritos vinham do andar de baixo. Dava para ver as luzes do apartamento vizinho acessas. Dois garotos choravam, conversavam aos gritos, descontrolados. Um deles falava: "Calma. Eu já falei que fico contigo. Não estou dizendo que vamos voltar, mas eu fico aqui mais um pouco com você". Ela levantou, tomou água, foi ao banheiro e voltou ao calor das suas cobertas. Prestou um pouco mais de atenção, perguntou-se se algum outro vizinho se intrometeria. Mas, assim como ela, ninguém agiu. Morava em um bairro de classe média, num prédio com dezenas de apartamentos pequenos. Os moradores nunca conversavam, não havia síndico nem reuniões de condomínio, todos eram absurdamente jovens e pacíficos. Dormiu. 

"Minhas coisas, o que você está fazendo com as minhas coisas?". Barulho de objetos despejados escadas abaixo e mais um despertar assustado. Relógio: três e meia. Dessa vez não levantou, ficou deitada ouvindo um deles colocar o outro para fora, escutando batidas e chutes na porta. Pensou em todos os outros moradores deitados ouvindo. Dormiu. Pela manhã tudo estava muito calmo, silêncio, sol de inverno, pássaros cantando. Teria sido um sonho? Não, não fora... 

"Calma. Eu já falei que fico contigo. Não estou dizendo que vamos voltar, mas eu fico aqui mais um pouco com você". Era triste, doía, doía muito. Ela entendia aquele louco. Nunca teria uma reação passional daquelas, mas entendia a dor. A reação era o que a diferenciava do louco do quarto abaixo, a dor não, a dor a aproximava.


sexta-feira, março 23, 2012

Pra quê?

Ela estava tão cansada
de ficar cansada
que até dava um cansaço.

Pra quê é que a gente quer entender tanto das coisas

pra depois não conseguir mais desentender
e ficar entendendo sem querer 
o tempo todo?

O Beijo



Gustav Klimt

quarta-feira, março 14, 2012

Silêncio

Uma das coisas que pude aprender no silêncio desse ap é que, em dada hora da noite, até a luz da torre da Igreja se apaga. Mas que pela manhã o sol nasce forte do lado em que ficam as janelas e o João de Barro bate na minha parede muito delicadamente. Em código morse ele chama: acorda, Fran, acorda...

Garoto de Aluguel

Conte pras amigas que tudo foi mal...

terça-feira, março 13, 2012

É verão, é noite e tem lua

Hoje pensei em muitas coisas tristes e bonitas para escrever. Tenho certeza que eu poderia encher um livro de coisas assim e que venderia bastante, mas meu pai não me criou na mais tradicional pedagogia do trabalho alemã pra eu me tornar tão pedante.

Mas é impossível não falar do quanto eu me senti bem caminhando hoje à noite sozinha (e a lua, essa romântica irreparável, linda há tantos dias sem cansar). Uma típica noite bonita de verão, cheia de pensamentos que já se tornaram corriqueiros (tão clichês, coitadinhos). Pensei em há quanto tempo não sei quase nada de você e na sensação esquisita que me causa a sua aparente felicidade. Nem o melhor contator do mundo poderia contabilizar quantas vezes eu pensei em você nos últimos tempos. Pensei tanto, tanto, que acho que me encontrei em algum lugar lá dentro. Às vezes eu chego a ter uma leve vontade de rezar, mas isso é bem raro e eu não sei bem ao certo o que uma coisa tem a ver com a outra.

Na realidade, na maior parte do tempo eu tenho muitas coisas para fazer e, quando não tenho, sinto-me bem descansando. Às vezes eu namoro alguém. Às vezes leio uns livros que eu trouxe do Uruguai e me fazem lembrar das ruas de Montevideo. 

Eu já acreditei piamente que tinha te esquecido mil vezes. E acho que esqueci mesmo, acho que lembro só da sensação de não te esquecer nunca. 

Hoje vi um casal da nossa idade passeando com um cachorro. Juro que me deu vontade de comprar um cachorro. Isso não foi um insulto, nem nostalgia, foi só uma constatação.

sexta-feira, março 09, 2012

Te Quiero

Tus manos son mi caricia
mis acordes cotidianos
te quiero porque tus manos
trabajan por la justicia

si te quiero es porque sos
mi amor mi cómplice y todo
y en la calle codo a codo
somos mucho más que dos

tus ojos son mi conjuro
contra la mala jornada
te quiero por tu mirada
que mira y siembra futuro

tu boca que es tuya y mía
tu boca no se equivoca
te quiero porque tu boca
sabe gritar rebeldía

si te quiero es porque sos
mi amor mi cómplice y todo
y en la calle codo a codo
somos mucho más que dos

y por tu rostro sincero
y tu paso vagabundo
y tu llanto por el mundo
porque sos pueblo te quiero

y porque amor no es aureola
ni cándida moraleja
y porque somos pareja
que sabe que no está sola

te quiero en mi paraíso
es decir que en mi país
la gente viva feliz
aunque no tenga permiso

si te quiero es porque sos
mi amor mi cómplice y todo
y en la calle codo a codo
somos mucho más que dos.

(Mário Benedetti)

segunda-feira, março 05, 2012

Dos velhos tempos

Amava-o. Não sabia de que jeito, não sabia com que tipo de amor, mas amava. Há anos. No início de um jeito adolescente, depois de longe, mesmo namorando, mesmo sofrendo por outro, mesmo esquecendo, mesmo nunca lembrando. Amor platônico, melhor manter uma distância segura... Às vezes queria pegá-lo no colo, cantar canções de ninar. Ele era lindo, a pessoa mais inteligente que conhecera, a mais irritante também. Ele era excepcional, mas era frágil e ela tinha um medo escondido que ele quebrasse. Seria uma tragédia. É certo que às vezes queria esfregar a cara dele no asfalto, mas sempre por apenas alguns segundos. Nunca o machucaria, não demais. Amava-o, mas aquele amor já caíra de maduro, passara, escapulira-se, tchau, tchau...

segunda-feira, fevereiro 27, 2012

O canalha


Hoje tinha um senhor de uns sessenta e tantos anos na minha frente, na fila do buffet. Ele tremia um pouco e deixou cair um pedaço de beterraba. Pensei nos trejeitos de quem recém começou a envelhecer e ainda não lida bem com a situação. Comparei com o personagem do livro que estou lendo, um homem um pouco frustrado, em vésperas de se aposentar. Perguntei-me sobre como deve ser difícil envelhecer, sobre a baixa auto-estima de ver-se debilitando... Ao chegar à mesa comentei com um amigo, que compartilhou a história de seu avô, hoje com 80 anos. Nós dois estávamos ali comendo pensativos quando um terceiro colega se intrometeu lembrando que a expectativa de vida cresceu e que os canalhas também envelhecem.

Acabou com todo o romantismo e ainda lançou uma dúvida afirmando que é muito difícil identificar a verdadeira índole dos velhinhos.

À noite compartilhei minhas indagações com outro amigo, que me lembrou: “Todo canalha é magro”. Obrigada, Nelson Rodrigues. Salvastes meu dia. 

quinta-feira, fevereiro 23, 2012

Difícil

A primeira vez você faz com ingenuidade
Uma hora a ingenuidade quebra, por causa do encontrão que a cara dá com a parede
Depois você descobre que é tudo uma ilusão
Resolve que nunca mais vai querer isso pra vida
Mais tarde sente um pouco de saudades
Acha que até vale a pena se iludir um pouco
E sai por aí procurando alguém por quem valha à pena se iludir
E nesse momento o meu raciocínio para:
Taí uma coisa difícil, alguém por quem valha à pena se iludir.

segunda-feira, fevereiro 20, 2012

Muito tempo depois...

Agora sim, 
finalmente, 
acho que já fez muito tempo, 
acho que não lembro mais, 
acho que vou sobreviver. 

quinta-feira, fevereiro 16, 2012

E não volte...

Pegue o seu deus, o seu diabo, o seu coletivo de preconceitos, mesquinharias e hipocrisia e vá para o inferno.

Vivamos!

Algumas pessoas que eu amo muito estão tristes, por isso estou também. Eu queria tirar a dor delas com as minhas mãos, ou pelo menos fazê-las sorrir. Mas na falta dessa capacidade, peço que lembrem que temos uns aos outros. Não há nada nesse mundo pelo que valha a pena morrer. Há, sim, dois bons motivos para continuarmos vivos: as pessoas e a causa que amamos...

Continuemos...

quinta-feira, fevereiro 02, 2012

Sobre os registros e a memória

Tenho me cobrado um post, um relato, uma frase qualquer para registrar por aqui o quão bonita foi nossa viagem ao Uruguai e à Argentina. Mas lembrei de um texto do Eduardo Galeano, filho de uma das belas cidades que conhecemos, que justifica em muito eu não escrever mais do que apenas isso. Já coloquei esse texto no blog há um tempo, mas a ocasião justifica fazê-lo novamente:

“Quando me separei de Graziela deixei a casa em Montevidéu intacta. Ficaram os caracóis de Cuba e as espadas da China, os tapetes da Guatemala, os discos e os livros e tudo. Levar alguma coisa teria sido um roubo. Tudo isso era dela, tempo compartido, tempo que agradeço; e me larguei no caminho, rumo ao não sabido, limpo e sem carga.

A memória me guardará o que valer a pena. A memória sabe de mim mais que eu; e ela não perde o que merece ser salvo.

Febre de meus adentros: as cidades e as gentes, soltas da memória, navegam para mim: terra onde nasci, filhos que fiz, homens e mulheres que me aumentaram a alma.”

Eduardo Galeano ~ Dias e noites de amor e de guerra




Quantas vidas?

Quando você dedica sua vida a distrair os pensamentos, ainda está vivendo pelo pensamento em questão. Tenho pensado nisto, há dois anos, sem falhar um dia.  

quarta-feira, janeiro 11, 2012

Tchau

Vou ali conhecer os muchachos. Se eu não voltar, diga a minha mãe que eu a amo, mas que um tango argentino me vai muito melhor que um blues. 


domingo, janeiro 08, 2012

Nunca é tarde

O meu avô é um alemão de 95 anos. É magro, alto, forte e tem olhos azuis profundos. Foi grosso e machista durante toda vida, como todo alemão genuíno. Quando eu nasci ele já era bem velho e a idade havia o encoberto de uma aura angelical, desmascarada quando o Alzheimer começou a se manifestar. Há três anos ele mora com meu pai. Minha madrasta cuida dele e por um tempo uma moça a ajudou nos serviços domésticos. Essa moça, completamente desmiolada, conseguiu algo inimaginável: ensinou-o a beijar. Às vezes ela pedia e ele a abraçava, outras vezes ela lhe entregava uma escova e ele penteava os cabelos dela.

quinta-feira, janeiro 05, 2012

Yo quiero ser una chica Almodóvar



Yo quiero ser una chica Almodóvar
Como la Maura, como Victoria Abril
Un poco lista, un poquitín boba,
Ir con Madonna en una Limousine.
Yo quiero ser una chica Almodóvar
Como Bibí, como Miguel Bosé
Pasar de todo y no pasar de moda,
Bailar contigo el último cuplé.
Y no parar de viajar del invierno al verano,
De Madrid a New York, del abrazo al olvido,
Dejarte entre tinieblas escuchando un ruido
De tacones lejanos.
Encontrar la salida de este gris laberinto,
Sin pasión ni pecado, ni locura ni incesto,
Tener en cada puerto un amante distinto
No gritar ¡Que he echo yo, para merecer esto!
Yo quiero ser una chica Almodóvar
Como Pepi, como Luci como Bom
Venderle al garbo mis secretos de alcoba,
Ponerme luto por un matador.
Yo quiero ser una chica Almodóvar
Que a su chico le suplique ¡Atame!
No dar el alma sino a quien me la roba,
Desayunar en Tifanis con él.
Y no permitir que me coman el coco
Esas chungas movidas de croatas y serbios
Ir por la vida al borde de un ataque de nervios,
Con faldas y a lo loco.
Encontrar la salida de este gris laberinto,
Sin pasión ni pecado, ni locura ni incesto,
Tener en cada puerto un amante distinto
No gritar ¡Que he echo yo, para merecer esto!
Como patidifusa escribir mis memorias,
Apuntarme a cualquier tipo de bombardeo
No tener otra fe que la piel,
Ni más ley que la ley del deseo.
Encontrar la salida de este gris laberinto,
Sin pasión ni pecado, ni locura ni incesto,
Tener en cada puerto un amante distinto
No gritar ¡Que he echo yo, para merecer esto!


~Joaquin Sabina~

domingo, janeiro 01, 2012

Paradise

No mês de dezembro de 2011 uma elefanta fugiu das grades que a cercavam em um zoológico na cidade de Salete, em Santa Catarina. Ela procurava o para-para-paradise... Que em 2012 todos tenhamos a coragem de fazer o mesmo.