quinta-feira, março 29, 2012

O louco do quarto abaixo

Acordou assustada com berros que vinham do lado de fora. "Polícia, chamem a polícia!". Olhou o relógio: duas da manhã. Abriu a janela ao lado da cama. Os gritos vinham do andar de baixo. Dava para ver as luzes do apartamento vizinho acessas. Dois garotos choravam, conversavam aos gritos, descontrolados. Um deles falava: "Calma. Eu já falei que fico contigo. Não estou dizendo que vamos voltar, mas eu fico aqui mais um pouco com você". Ela levantou, tomou água, foi ao banheiro e voltou ao calor das suas cobertas. Prestou um pouco mais de atenção, perguntou-se se algum outro vizinho se intrometeria. Mas, assim como ela, ninguém agiu. Morava em um bairro de classe média, num prédio com dezenas de apartamentos pequenos. Os moradores nunca conversavam, não havia síndico nem reuniões de condomínio, todos eram absurdamente jovens e pacíficos. Dormiu. 

"Minhas coisas, o que você está fazendo com as minhas coisas?". Barulho de objetos despejados escadas abaixo e mais um despertar assustado. Relógio: três e meia. Dessa vez não levantou, ficou deitada ouvindo um deles colocar o outro para fora, escutando batidas e chutes na porta. Pensou em todos os outros moradores deitados ouvindo. Dormiu. Pela manhã tudo estava muito calmo, silêncio, sol de inverno, pássaros cantando. Teria sido um sonho? Não, não fora... 

"Calma. Eu já falei que fico contigo. Não estou dizendo que vamos voltar, mas eu fico aqui mais um pouco com você". Era triste, doía, doía muito. Ela entendia aquele louco. Nunca teria uma reação passional daquelas, mas entendia a dor. A reação era o que a diferenciava do louco do quarto abaixo, a dor não, a dor a aproximava.


Nenhum comentário: