E nos cansamos de andar vagando pelos bosques e pela beira dos rios.
E fomos ficando. Inventamos as aldeias e a vida em comunidade, transformamos o osso em agulha e o espinho em arpão, as ferramentas prolongaram nossas mãos e o cabo multiplicou a força do machado, do arado e da faca.
Cultivamos o arroz, a cevada, o trigo e o milho, e prendemos em currais as ovelhas e as cabras, e aprendemos a guardar grãos nos armazéns, para não morrer de fome nos tempos ruins.
E nos campos lavrados fomos devotos das deusas da fecundidade, mulheres de vastas cadeiras e tetas generosas, mas com o passar do tempo elas foram trocadas pelos deuses machos da guerra. E cantamos hinos de louvor à glória dos reis, dos chefes guerreiros e dos sumo sacerdotes.
E descobrimos as palavras seu e meu e a terra passou a ter dono e a mulher foi propriedade do homem e o pai, proprietários dos filhos.
Lá para trás ficaram os tempos em que andávamos à deriva, sem casa nem destino.
Os resultados da civilização eram surpreendentes: nossa vida era mais segura e menos livre, e trabalhávamos mais horas.
~ Eduardo Galeano - Espelhos ~
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