sábado, julho 18, 2009

O que você está fazendo, criança?
Você tem ideia de onde está entrando?
Eu costumava guardar esse lugar a sete chaves
Veja lá! Não vá bagunçar aí dentro
Impossível. Você é tão criança...
Pare de forçar a porta, por favor
Eu gosto de tudo no lugar

sábado, julho 11, 2009

Boteco

"Eu sou meio intelectual, meio de esquerda, por isso freqüento bares meio ruins. Não sei se você sabe, mas nós, meio intelectuais, meio de esquerda, nos julgamos a vanguarda do proletariado, há mais de cento e cinqüenta anos. (Deve ter alguma coisa de errado com uma vanguarda de mais de cento e cinqüenta anos, mas tudo bem).

No bar ruim que ando freqüentando ultimamente o proletariado atende por Betão - é o garçom, que cumprimento com um tapinha nas costas, acreditando resolver aí quinhentos anos de história.

Nós, meio intelectuais, meio de esquerda, adoramos ficar "amigos" do garçom, com quem falamos sobre futebol enquanto nossos amigos não chegam para falarmos de literatura.- Ô Betão, traz mais uma pra a gente - eu digo,com os cotovelos apoiados na mesa bamba de lata, e me sinto parte dessa coisa linda que é o Brasil.

Nós, meio intelectuais, meio de esquerda, adoramos fazer parte dessa coisa linda que é o Brasil, por isso vamos a bares ruins, que têm mais a cara do Brasil que os bares bons, onde se serve petit gâteau e não tem frango à passarinho ou carne-de-sol com macaxeira, que são os pratos tradicionais da nossa cozinha. Se bem que nós, meio intelectuais, meio de esquerda, quando convidamos uma moça para sair pela primeira vez, atacamos mais de petit gâteau do que de frango à passarinho, porque a gente gosta do Brasil e tal, mas na hora do vamos ver uma europazinha bem que ajuda.

Nós, meio intelectuais, meio de esquerda, gostamos do Brasil, mas muito bem diagramado. Não é qualquer Brasil. Assim como não é qualquer bar ruim. Tem que ser um bar ruim autêntico, um boteco, com mesa de lata, copo americano e, se tiver porção de carne-de-sol, uma lágrima imediatamente desponta em nossos olhos, meio de canto, meio escondida. Quando um de nós, meio intelectual, meio de esquerda, descobre um novo bar ruim que nenhum outro meio intelectual, meio de esquerda, freqüenta, não nos contemos: ligamos pra turma inteira de meio intelectuais, meio de esquerda e decretamos que aquele lá é o nosso novo bar ruim.

O problema é que aos poucos o bar ruim vai se tornando cult, vai sendo freqüentado por vários meio intelectuais, meio de esquerda e universitárias mais ou menos gostosas. Até que uma hora sai na Vejinha como ponto freqüentado por artistas, cineastas e universitários e, um belo dia, a gente chega no bar ruim e tá cheio de gente que não é nem meio intelectual nem meio de esquerda e foi lá para ver se tem mesmo artistas, cineastas e, principalmente, universitárias mais ou menos gostosas. Aí a gente diz: eu gostava disso aqui antes, quando só vinha a minha turma de meio intelectuais meio de esquerda, as universitárias mais ou menos gostosas e uns velhos
bêbados que jogavam dominó.

Porque nós, meio intelectuais, meio de esquerda, adoramos dizer que freqüentávamos o bar antes de ele ficar famoso, íamos a tal praia antes de ela encher de gente, ouvíamos a banda antes de tocar na MTV. Nós gostamos dos pobres que estavam na praia antes, uns pobres que sabem subir em coqueiro e usam sandália de couro, isso a gente acha lindo, mas a gente detesta os pobres que chegam depois, de Chevette e chinelo Rider. Esse pobre não, a gente gosta do pobre autêntico, do Brasil autêntico. E a gente abomina a Vejinha, abomina mesmo, acima de tudo.

Os donos dos bares ruins que a gente freqüenta se dividem em dois tipos: os que entendem a gente e os que não entendem. Os que entendem percebem qual é a nossa, mantêm o bar autenticamente ruim, chamam uns primos do cunhado para tocar samba de roda toda sexta-feira, introduzem bolinho de bacalhau no cardápio e aumentam cinqüenta por cento o preço de tudo. (Eles sacam que nós meio intelectuais, meio de esquerda, somos meio bem de vida e nos dispomos a pagar caro por aquilo que tem cara de barato). Os donos que não entendem qual é a nossa, diante da invasão, trocam as mesas de lata por umas de fórmica imitando mármore, azulejam a parede e põem um som estéreo tocando reggae. Aí eles se dão mal, porque a gente odeia isso, a gente gosta, como já disse algumas vezes, é daquela coisa autêntica, tão Brasil, tão raiz.

Não pense que é fácil ser meio intelectual, meio de esquerda em nosso país. A cada dia está mais difícil encontrar bares ruins do jeito que a gente gosta, os pobres estão todos de chinelos Rider e a Vejinha sempre alerta, pronta para encher nossos bares ruins de gente jovem e bonita e a difundir o petit gâteau pelos quatro cantos do globo. Para desespero dos meio intelectuais, meio de esquerda que, como eu, por questões ideológicas, preferem frango à passarinho e carne-de-sol com macaxeira (que é a mesma coisa que mandioca, mas é como se diz lá no Nordeste, e nós, meio
intelectuais, meio de esquerda, achamos que o Nordeste é muito mais autêntico que o Sudeste e preferimos esse termo, macaxeira, que é bem mais assim Câmara Cascudo, saca?

Ô Betão, vê uma cachaça aqui pra mim. De Salinas quais que tem?"

Texto de João Werner, integrante do volume As Cem Melhores Crônicas Brasileiras, organizado por Joaquim Ferreira dos Santos.

sexta-feira, julho 03, 2009

Para uma menina de cabelos e coração negros

Antes de te conhecer eu não estava tão certa de que outro mundo era possível e nem de que ele era assim tão necessário. Você definitivamente não se encaixa nesse mundo e isso me deixa muito feliz por que te observar me faz pensar que a gente luta por um mundo onde pessoas maravilhosas como você poderiam viver a plenitude do seu estado natural: a felicidade.
Será que você pode me explicar como um coração tão grandão cabe aí dentro? Sabe?... Deve ser natural um coração tão grande se sentir meio apertado às vezes. Mas não chore, pequenina. Um dia as pessoas morarão num lugar onde todos os homens, seus corações e mentes serão assustadoramente grandes.

O maior amor do mundo

Aquele amor que um dia eu pude presenciar, sem dúvida, era o maior amor do mundo. Ele era tão grande, tão grande, que nenhum de nós conseguia enxergá-lo inteiro, nem sabia muito bem o que fazer com ele. Um amor daquele tamanho não poderia caber num mundo tão errado, e só o que a gente podia fazer era tentar mudar o mundo para que um dia alguém pudesse viver um amor como aquele. As pessoas que amavam aquele tamanho todo de amor eram tão grandes, tão grandes, que enquanto elas viveram ninguém conseguiu compreendê-las.