quinta-feira, junho 18, 2009

Projeto escolar vai aquecer o coração de famílias carentes nesse inverno

Quando o professor anunciou o passeio, a reação da turma não correspondeu às suas expectativas. Os alunos continuaram com suas caras de 7h30, sem muito entusiasmo. Então ele resolveu radicalizar:

- Estou falando que vamos visitar o Parque Joinville. Alguém aqui conhece o Parque Joinville?

Nenhum dos cerca de 20 adolescentes reagiu e isso parecia um “não, nenhum de nós”.

- É o pior lugar que vocês já viram. O Parque Joinville tem um cheiro de Parque Joinville, só dele, que vocês só poderão sentir lá.

Seguiu contando que era um odor de podridão. Que lá galinhas ciscavam magras pelas ruelas enlameadas e que cavalos caminhavam sem cabeça, com feridas expostas.
Então ele começou a conseguir a reação que esperava. Uma menina loira de nariz empinado se mexeu na cadeira. Assim como os outros 19, ela vestia moletom e calça azul. Era o uniforme da escola. A calça das meninas parecia de ginástica. A maioria eram magras e bonitinhas. Fiquei com pena da gordinha que, obrigada a entrar naquele modelo de calça, deixava suas celulites precoces à mostra. A calça dos meninos era larga de um tecido que parecia gelado, mas que eles afirmaram que não era.
Era início de junho e o dia amanhecia frio, mas o ar-condicionado estava ligado. A sala tinha um formato retangular e tapumes de madeira que deixavam a galera do fundão acima dos demais (por isso os malvados se refugiavam nas extremidades laterais) e o professor num nível abaixo de todos. As cortinas eram do mesmo tom azul escuro dos uniformes e o quadro era verde. A sala tinha ainda duas caixas de som, uma do lado direito e uma do esquerdo, e as cadeiras eram azuis e estofadas.

- Eu não quero ir, professor. – Era a menina do nariz (Por Deus! Ele era realmente fininho e empinado).

- Não tem escolha. Todos terão que ir. Faz parte do projeto das caixinhas de leite.

- Vou falar com a minha mãe. Você não pode nos obrigar a ir num lugar assim. Deve ser perigoso.

- Pessoas vivem lá todos os dias e só às vezes morrem. Não tem tanto perigo.

Era a discussão que faltava para a turma acordar. A visita ao Parque Joinville, localidade pertencente ao bairro Aventureiro, era a continuação de um projeto interdisciplinar da escola. Durante todo o primeiro semestre, os alunos das turmas matutinas do ensino médio arrecadaram caixas de leite longa vida, as abriram, limparam e as colaram umas nas outras. Agora eles tinham vários exemplares de uma espécie de camada protetora que deixaria a casa de alguns pobres um pouco mais quente no verão e mais fria no inverno. Ao menos foi isso que um dos alunos me explicou, embora eu acredite que a intenção da professora de física, proponente do projeto, é que o efeito fosse o contrário.
A disciplina de história que ministrava o professor terrorista estava responsável pela pesquisa de campo e elaboração de um perfil sócio-econômico das famílias que seriam beneficiadas. Nas aulas de história da arte, os estudantes estavam confeccionando uma maquete de uma casa modelo, em que a técnica de refração de calor era utilizada. Esta maquete seria exposta em duas semanas no Shopping Mueller e já estavam sendo organizadas escalas de alunos que ficariam lá explicando como o sistema funcionava.
O professor pediu à turma, principalmente às meninas, que não se “emperiquitassem” tanto. E explicou que ninguém deveria sumir de suas vistas. Aquela discussão tola me deixou com tamanhas náuseas que agora quem não queria ir mais era eu. Afinal, eles iam visitar pessoas ou um zoológico?
Na semana seguinte eu estava lá no mesmo horário e todos se preparavam para a grande aventura. Era uma mistura de sorrisinhos de puberdade, que nada tinham a ver com o contexto, excitação pelo passeio e caras de 7h30. No percurso dentro do ônibus locado, musiquetas adolescentes. O garoto loiro quieto, baixinho, musculoso, com tênis de língua larga e corrente de prata no pescoço estava visivelmente tentando cantar uma menina de cabelos curtos e lápis delineador, no penúltimo banco do lado esquerdo.
O ônibus saiu da área central da cidade e percorreu ruas de bairros, com lojas e asfalto populares. Deu uma virada brusca à direita e começou a andar em ruas de chão. Quando o motorista estacionou e todos desceram, ninguém avistou cavalos sem cabeça.
Outra turma fora junto com a que eu acompanhava e ali havia um garoto suíço que fazia intercâmbio. Alguns pareciam preocupados com o que ele estava pensando de tudo aquilo e confesso que por um momento até eu me preocupei.

- Isso aqui – falou o professor para o garoto suíço – isso aqui sim é que é Brasil.

Então os adolescentes saíram batendo nas casas e fazendo perguntas aos moradores. A rua onde paramos era paralela ao Rio do Ferro. Acompanhei o professor, um morador e mais três alunos aos fundos de uma das casas. Atravessamos uma ponte estreita de madeiras podres e pudemos ver de perto o rio. Ele era muito sujo, chegava a ser cinzento e muitos pedaços de móveis e papelões boiavam ali. As casas do lado esquerdo da rua, que estavam na margem do rio, eram ocupações, mas duvido que algum aluno ali tenha atentado para isso.
Pelo que constatei a maior parte dos moradores das ocupações do Parque Joinville catavam papelão para sobreviver. Um dos casebres abrigava duas famílias, o que significava nove pessoas num espaço de uns 7m². Era triste, mas achei que nossa presença ali entristecia mais as vidas deles. O cenário me lembrava um filme que havia assistido naqueles dias sobre a Idade Média.
Os animaizinhos uniformizados tiravam fotos em suas câmeras digitais, apontavam e riam. O professor parecia satisfeito.
Depois voltamos todos ao ônibus e as grades da porta e das janelas desceram. Então o motorista guiou a manada de filhos do papai em segurança até a escola.

terça-feira, junho 09, 2009

O Parlamento

Vejo tanta injustiça, coronelismo, pouca vergonha e irresponsabilidade com o ser humano que às vezes me sinto numa cidade do interior do século XIX.

Aí lembro que o mundo inteiro ainda é assim.

Ô mundo do interior esse!

sexta-feira, junho 05, 2009

É bem difícil manter a vida sob controle
É quase uma tarefa impossível
Às vezes a maré das circunstâncias nos leva tão longe
que não sabemos mais como viemos parar aqui
Como pode, coisas que nos foram tão especiais
escaparem por entre os dedos feito água?
Tais coisas vão embora
e a cada dia parecem mais irrecuperáveis,
mas para mim nunca deixarão de ser especiais

quarta-feira, junho 03, 2009

Eu sabia que ia passar
soube no memento eu que senti
Passou minha vontade de ir embora.
Mas o que acontece se a vontade de ficar não voltou?
Aí não almocei novamente e todo esse vazio aqui dentro me deu uma certa ânsia.
Estranho...
Não há nada para botar para fora
E eu não paro de querer falar.
Depois conheci uma pessoa,
Vi umas fotos,
Me atrapalhei nuns recortes de jornal.
E tudo isso encheu meu vazio de angústias
Aí deu vontade de chorar

Hoje eu conheci Doroti

Não é que eu não tenha me chateado,
mas hoje eu conheci Doroti.
Doroti tem um marido e duas filhas.
Não são negros,
não sei de que cor são suas peles.
Existe a cor "vida sofrida"?
Ela tem apenas mais cinco dias pra deixar sua casa
Disseram que se ela não sair arrancam suas filhas
e levam Doroti e o marido num camburão.
Não é que todos esses pequenos problemas
decorrentes das suas infantilidades não me afetem,
mas é que hoje eu conheci a Doroti.
E me dei conta do quanto eu cresci
e de que vocês ficaram.
Como uma doce lembrança da adolescência...
Não é que vocês não sejam mais importantes,
mas é que há coisas muito mais importantes do que vocês
Por que hoje eu conheci Doroti.