sexta-feira, julho 20, 2007

Vindo naquela locomoção. Fétida. Fétida locomoção. Cabeça ao vidro, pensamentos que correm contra o mundo que corre do lado da janela. Uma garota; não pude ver se era bonita. Normal. Uma garota normal que vomitava. Ela vomitou, três vezes, ali ao lado. As pessoas em volta se forçavam à naturalidade. Estavam todos mudos. Fingiam que nada acontecia. Pessoas. Pessoas que fingiam. Desci, fedia muito lá dentro. Não consegui fingir que não sentia. Como fingir ao próprio mim? O mundo do lado de fora corria muito. Todos corriam demais. Ninguém se dava conta de que o mundo inteiro estava lá, ali batendo na cara. O mundo. O mundo inteiro tocando a ponta do nariz e só o que todos enxergam é a ponta do nariz. Queria que o mundo parasse. Ele faz muito barulho. Demasiado barulho, você poderia parar para eu descer? Mas para onde eu iria? Alguém que cheira demais, escuta muito mais alto, não enxerga o suficiente, pensa muito. Tanto que a cabeça dói. A dói que a cabeça alguém. Passos e pensamentos. Duas quadras a mais de pensamentos hoje porque o ônibus fedia muito. Caminha com as mãos no bolso. Sempre. Sem se dar conta. Mais alguns passos. Muitos. As mãos quentes. As mãos absurdamente quentes tocam a gelada chave, giram a maçaneta. Nesse momento, lá do fundo, muito fundo, vem um grito. Parem o mundo. O grito de parem o mundo. Engole. Com saliva. Engole o grito com saliva e vai dormir.

quinta-feira, julho 19, 2007

O Cinismo

Hoje Deus acordou debochado

Depois de condescender tantos dias com a minha tristeza

Depois de tanta chuva

De tanto frio

Da umidade

Bolor

De repente

Vejam que absurdo

Há algo em descompasso

Tudo fica lindo

O céu anil

Límpido

O perfume das flores

Parece-me

Cinismo.

domingo, julho 15, 2007

E se nada mais for risível,
Relevante,
Inspirador,
Instigante,
Calmante,
Apaixonante,
Laxante,
Se nada mais valer à pena?

E se eu assustar,
Espantar,
Espancar,
Errar,
Duvidar,
Chorar,
Envergonhar,
Estuprar: os sonhos?

E se o que eu escrevo não for poesia,
Nem prosa,
Nem conto,
Nem recanto,
Não crônica,
Nem aguda?

E se eu quiser dizer e não souber como,
Não souber se,
Nem onde,
E o porquê,
Eu gostaria que me dissesse se eu digo ou se eu calo,
Se me visto de santa ou de Frida Kahlo.

Eu sei fazer os dois papéis, mas gostaria que dissesse qual das duas personagens me cai melhor.

E se eu repetir as palavras,
Se eu não souber rimar,
Se eu colocar o mim a conjugar te amo,
Você me perdoa?
Você ainda vai sorrir pra mim?