quarta-feira, julho 23, 2008

BH

Sentada no meio do mundo.
No canto de um bar de rodoviária. Estava lá
encolhida. Tão cercada de pessoas como jamais esteve.
Há muito mais pessoas, medos e maravilhas do que previu
sua imaginação infértil,
pequena e branca.

Já se sentiu tão só, nunca tão branca.
Sente-se mal por sentir-se mal e sua discrição berra aos olhos dos que passam.
Branquidão solitária fazendo anotações
misteriosas na capa de uma revista
espera amedrontada o primeiro expresso
que a leve ao seu reduto cor cor de rosa.

Porque nesta cidade tão grande
cheia de coisas inimagináveis,
não há lugar para branquelos dos pinduricalhos dourados (bem feito pra eles).

19h45 e está indo embora a branquela dos pinduricalhos
agarrada a seu travesseiro
sob quatro milhões de pares de olhos.
Com medo, muda, sozinha.
Todos reparam nela.

Rua de Montarroio

Não sei do que fugíamos.
Dizer que era da vida parecia
demasiado lírico, demasiado verdadeiro
- e a vida raramente aproveita a um poema.

Seja como for, a cidade
predispunha-se, aceitava calmamente
pequenos gestos de ternura,
delírios de morte apenas.
Zé dos Ossos, Trianon - os nomes
que decorei, enquanto fugíamos
da calúnia dos vinte anos.

As tardes no jardim, um pouco lúgubres,
prenunciavam a costumeira subida:
jantávamos os dois por setecentos escudos,
mesmo ao lado da taberna que não tinha mesas.

Saía barato, o amor. Por não sabermos
ainda, que teríamos de pagar a vida inteira
com juros aziagos e versos de demora.

~Manuel de Freitas~