sexta-feira, abril 27, 2007

Ela a abraçava como quem abraça a última de todas as esperanças da vida. Estavam sentadas em frente a mim e a senhora magra abraçava aquela garotinha também muito magra como quem agarra um urso de pelúcia. Os olhos da menina representavam um elemento significativo na constituição da cena, expressivos como se vindo de alguma fotografia célebre dos tempos das fotografias célebres.
Imaginei porque aquela mãe estava tão desesperada, porque apertava a menina com tamanha intensidade.
A garotinha parecia entender; Embora pequenina, era certo que compreendia perfeitamente aquela carência, porque cedia com resignação emprestando o pequenino ombro para o encaixe do queixo materno.
Sorri para ela. Os olhos eram muito tristes. Pensei em fazer-lhe sorrir nem que fosse por uma fração de segundo. Ela não respondeu o intento, seus olhos me encaravam loucamente, miravam diretamente os meus, perpassavam-me, tocavam-me a alma. O que ela pensava?
Era hora de sair, nunca mais às veria, olhei ainda uma vez para trás, o olhar da garota sob os braços da mãe me acompanhava.

sábado, abril 21, 2007


Os sem-remédios da vida minha

Não há remédio, o mundo vai sempre te magoar. Você sempre vai acreditar em alguma coisa que não existe ou que não é realmente da forma como lhe disseram. As pessoas vão sempre mentir para você, nem todas irão, mas com certeza muitas delas; E você vai novamente, como em tantas outras ocasiões, sentar, chorar, se lamentar, meditar sobre o ocorrido, jurar que nunca mais deixará as ilusões se apossarem do seu lado racional, tomar um copo de água com açúcar – dizem que acalma, eu acho que engorda. Depois vai esquecer, porque todos, uns mais outros menos, sofremos desse mal, o mal da perda de memória recente; E vai sair a viver novamente e, não com menor velocidade, mais uma vez estará chorando sentado.
Então haverá duas possibilidades, fechar-se ao mundo cruel e agir como ele, andando por aí infeliz a despedaçar corações desavisados – bem conheço os que o fazem – ou fingir-se de desconhecedor das engrenagens da vida tentando ser feliz em cada nova oportunidade, iludindo-se sim com a possibilidade de desta vez ser eterno, sem lágrimas, sem hematomas, sem angústias e sendo feliz, ao menos enquanto a ilusão durar.

quinta-feira, abril 05, 2007

Pela tarde o sentimento era de solidão. Os pensamentos ecoavam dentro da cabeça com tamanha vibração que doíam, enjoavam, ela não agüentava mais o som dos próprios devaneios.
Foi para casa, tomou um banho demorado, colocou a melhor roupa, o melhor perfume. Ela é assim, quando quer sentir-se melhor, perfuma-se.
Desceu as escadas e já estava fora quando o telefone tocou anunciando que o resto da noite seria ainda mais solitária. Ficou triste, mas resolveu seguir, ela é assim, sempre persiste, lá em frente sempre pode encontrar algo que valha a pena. E ademais, a noite que vinha chegando prometia ser bonita, seria um desperdício voltar.
Decidiu ir ao cinema, o filme não parecia ser dos melhores, seria apenas uma distração, um passatempo.
Restava-lhe ainda uma hora até o início da sessão, passeou um pouco pelos corredores, ficou observando cada um dos que passavam, avistou alguns rostos conhecidos que não a viram, ou que a viram e não a reconheceram, meditou sobre quantas pessoas já conheceu, sentiu inflar-lhe o ego pela capacidade de fazer amizades, tecer teias de convivências sociais. Estar sozinha neste momento em especial era quase por opção, com certeza não lhe faltariam "já estou a caminho" para alguns telefonemas que chamassem companhias, ou ao menos preferia acreditar nisso.
Deixou que o resto do tempo transcorresse na livraria enquanto lia as últimas páginas de um livro que devolvera naquela semana sem tê-lo terminado.
Faltando cinco minutos desceu à sala de cinema. Não se arrependeu em momento algum, gargalhou como criança, como a muito não fazia, como não faria se estivesse acompanhada, sorriu com sinceridade.
Bem devagar, sob a garoa, por entre as ruas do centro da cidade, foi-se indo embora. Pensou no jovem mago e em menos de dois segundo já o avistou. Foi inevitável conter um largo sorriso. Ela nunca tem certeza de que ele se lembra dela, tem a impressão de que em cada uma das muitas vezes que o encontrou caminhando pelas noites da cidade, ele falava com uma mulher diferente, e o mais fascinante, conhecia-a tão bem. Como em cada uma das vezes, dedicou-lhe poesias, sim, esse era o seu ofício, o de poeta, mas sempre soava-lhe profundo e sincero. Mandou-a sorrir, caçoou novamente do rubor do seu rosto, disse-lhe que a fizessem muito feliz, porque para isso tinha vindo ao mundo. Despediu-se com um gostoso abraço e seguiu caminhando, passou pela praça, uma roda de mendigos tocavam violão animadamente, lembrou-se que nem ao menos sabia o nome do mago e pensou que essa noite, como também em todas as anteriores, poderia ser a última vez que o via. Afinal são assim os nômades, um dia se vão e deixam saudades.
Voltou para casa com a sensação de ter achado aquilo que fora procurar, aquilo que lá na frente valeria a pena.
Sobre a cama encontrou uma caixa de bombons e um bilhete da mãe, Feliz páscoa e não como tudo de uma vez, sentiu-se novamente uma criança, era assim que a mãe ainda a via, como uma criança matreira.
Respirou fundo, a lembrança de um perfume, sentiu-se feliz.