sexta-feira, setembro 11, 2009

Um dia ruim

Quando ela chegou em casa o estômago doía um pouco. Já havia relaxado do nervosismo de umas horas atrás, mas tinha a sensação de ter apanhado. Tinha na garganta o gosto levemente salgado das lágrimas choradas no banheiro. Não sabia por que ia ao banheiro chorar se a cara vermelha ficava denunciando o crime pelo resto do dia. Quando será que esta sensação de ser tão criança iria passar? Fazia coisas de bastante responsabilidade para a idade que tinha, mas a sensação de ser uma menina nunca passava. Sobretudo nos momentos em que ia chorar no banheiro.

Quando pequena teria enfiado a cara nos livros do Harry Potter e imaginado que um dia tudo mudaria num passe de mágicas. Hoje à noite, depois de alguns anos, deu-se conta de que não praticava mais aquelas fantasias de ser outra pessoa e estar em outro lugar. Será que isso significava que sua realidade estava mais fácil de ser suportada ou que finalmente havia se acostumado com ela? Será que significava que havia crescido?

Às vezes sente a própria vida como quem, de repente, sente os sapatos antes imperceptíveis, e fica procurando um sentido para morar onde mora, trabalhar onde trabalha e batalhar pelo que batalha. Pelo quê batalha? O quê é que tanto espera? Tem sempre a sensação de que algo bom a aguarda ali em frente e, de fato, as coisas têm se apresentado melhores com o passar do tempo, umas após outras. Mas de que serve tudo isso? Será que vai acabar uma velhinha comum cheia de experiências coerentes e bons conselhos para dar?

Nos últimos anos vem largando a família, devagar e sempre. Parece que andou lendo e conhecendo coisas sozinha por aí e esses companheiros naturais passaram a não ter nada em comum, além da história. Ela sabe que isso não é pouco, mas acaba dedicando a essa compreensão apenas um almoço por semana, aos domingos. Os grandes amigos da faculdade também têm escapado por entre os dedos. Já não faz mais sentido chamar o velho colega para tomar um café quando se sente triste. Seus assuntos já ficaram tão desatualizados... E as fotos no Orkut agora mostram mundos e amigos diferentes. Com o passar do tempo, cada um vai se especializando cada vez mais em si mesmo.

Pode ser que ela compre mais sapatos – é incrível como eles nunca são o bastante.
Pode ser que vá embora com alguém.
Pode ser que vá embora sozinha.
Pode ser que ela queira mesmo é morar num sítio, plantar maconha, criar galinhas e ouvir Raul o dia inteiro.

Mas, em princípio, ela vai dormir, por que tem nas pálpebras aquele peso da angústia. Não queria dormir assim. Amanhã vai acordar triste e quieta. Depois vai nadar.

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