quinta-feira, março 01, 2007

Suor escorrendo por rostos e corpos, molhando roupas, penetrando almas. Caras cansadas, mãos trêmulas, olhares perdidos... Porque parecem tão tristes estas pessoas? O ponto está cheio, a chuva ameaça, mas fica apenas na promessa, o ônibus demora. Eu estou com elas, em meio a elas, e desconfio me parecer com elas. Muitas pessoas, dezenas delas, chega o ônibus muito cheio, é hora de pico, a situação não deveria ser aceitável, mas tantas pessoas, nem uma delas reclama, nem eu... A vida destas pessoas, um eterno acostumar-se, conformar-se, é apenas mais uma etapa ruim, de um dia ruim, de toda uma vida ruim. O ônibus chega, está realmente muito cheio, há uma grávida de pé, sufocando de calor, há velhas se acotovelando, um bêbado, um crente e dezenas de figurantes reais, entre eles eu... Ninguém fala nada, nem eu. A indignação me sobe a garganta, engasgo, tusso, apenas mais uma tosse em um mar de bactérias. Bactérias tristes, cansadas, sofridas. O pneu estoura por excesso de peso, quem diria? Acostuma-se aos absurdos do mundo, ninguém percebeu a gravidade. Apenas a grávida, ela percebeu, empalideceu, imaginei-a parindo ali. As portas abrem, só agora é possível ver a quantidade de bichos humanos que se espremiam dentro da lata amarela com quatro rodas, agora três. Em menos de dois minutos a próxima condução lota e já não é mais possível distinguir os pertencentes ao grupo que vinha com o segundo ônibus dos que o invadiram, subitamente, pelas portas traseiras. As pessoas iam chegando e contando umas as outras o acontecido, alguns balançavam a cabeça em sinal de reprovação, outras comentavam coisa qualquer, algumas sorriam. Um homem grita “Este fim de semana o padre vai sentir falta da gente na confissão, PORQUE JÁ PAGAMOS TODOS OS NOSSOS PECADOS!”, uma mulher comentou que ia perder a novela das oito. O próximo ponto era o meu, fico por aqui, meio que rindo meio que chorando, me sentindo impotente, me sentindo muito parte integrante da cena.
Dobrando a esquina lembro-me da câmera fotográfica dentro da bolsa, que oportunidade perdida. Ainda não me acostumei com o meu papel social.

2 comentários:

Anônimo disse...

não sei o que é pior: estar em um ônibus cheio com pessoas fisicamente debilitadas sofrendo, enquanto você as observa e sente pena delas, ou estar nesse ônibus e sentir-se pressionado a ter pena, procurando algo para dizer que conforte (elas ou a si próprio). ainda pior: ter que ouvir detalhes da vida de cada um.

fora isso, esse é mais um exemplo da miserabilidade cotidiana atual, tanto no plano pessoal individual quanto no infra-estrutural urbano.

Anônimo disse...

Conceda-me dizer que não há pior nisso.Há o que há. De verdade.
Alguém se atreveu a perguntar para um rosto cansado,desbotado se naquele dia era o dia Um Feliz?
Conceda-me dizer que o ruim para um é o bom para outro, e tudo que tem por trás do Vice-Versa.
Se uma cena dessas foi real, não-literária - e é o que nos faz sentir - torna-se literária, dinâmica e cumpre com qualquer função social que a autora pretendesse.

Fran, o social está no teu olhar para todas as pessoas desse ônibus e até para as bactérias que elas carregam.