sexta-feira, agosto 28, 2009

A morte de Geraldo Mayrink*

Não sei por que, mas achei esse texto realmente bonito. Sou nova neste mundo de tentar saber tudo sobre o jornalismo e nunca tinha ouvido falar deste cara. Também não acredito que exista qualquer tipo de vida após a morte e por isso me recuso a dizer coisas do tipo "ele vai gostar de onde estiver", mas acho que a vida das pessoas deve ser encarada com muito respeito. Todas as vidas merecem ser contadas com carinho num texto bonito, mas algumas soam mais poéticas.


"A caminho de casa fico sabendo, pelo Twitter, da morte do Geraldo Mayrink, nesta quinta-feira.

Mayrink foi um dos grandes textos da imprensa brasileira. Quando entrei na Veja, foquíssimo, em setembro de 1970, a revista já tinha se embrenhado em um texto rococó terrível, com uma adjetivação pesada praticada por quase todos os redatores e editores.

Havia quatro textos que escapavam do estilão: do Geraldo, do Tão Gomes Pinto, do Renato Pompeu e do Elio Gaspari.

Geraldo era o mais admirado. Crítico de cinema, conseguia produzir análises saborosíssimas, recheadas de ironia, no espaço exíguo de uma revista semanal. Suas imagens, como por exemplo do ator “expressivo como um helicóptero”, e outras do gênero, eram motivo de diversão e de admiração geral.

E ele sempre com aquele jeito pacatão, nenhum deslumbramento, sabendo rir de si próprio, quando dizíamos que ele era clone de Dolores Del Rio, atriz de faroeste meio queixuda, que nem ele.

Lembro-me nitidamente de uma tarde na Veja, uma roda se formando em torno do Mayrink. Cada frase dele era celebrada com risadas superiores de colegas que lançavam olhares cúmplices como que dizendo, essa ironia, eu captei.

Eu estava recém-chegado de Minas, o Geraldão Hasse - outro belíssimo texto mas, naqueles tempos, apenas um pouco menos foca que eu - chegado de Porto Alegre. Veja era um deslumbramento só. Sob o comando do Mino, a revista explodira. Ser da Veja, na época, representava o mesmo que, anos depois, representaria ser da Globo - lembrando o Bozó, personagem do Chico Anísio.

Enquanto os colegas riam das ironias do Mayrink, o Hasse e eu trocávamos ideias. Não tínhamos identificado nenhuma ironia em determinada frase, para que provocasse tantas leituras e risadas dos colegas. Esperamos a roda se desfazer e fomos passar a limpo nossa suspeita.

- Mayrink, o que você quis dizer com aquela frase, que todo mundo riu.

E ele, com aquele ar de boi sonzo, mas só cara, porque espirrava ironia por todos os poros:

- Uai, não quis dizer nada. Também não sei porque eles riram.

Quando se tornou editor de Artes e Espetáculos, quase me transformou em crítico de Artes da revista. Em São Paulo houve a exposição de um futurista italiano e, repórter alocado na editoria de Artes e Espetáculos - mas só para matérias de música - fui incumbido de cobrir a mostra.

Fui para o Dedoc (o Departamento de Documentação da Abril), passei uma tarde lendo livros de artes e assimilando o linguajar e os tics dos críticos. Voltei com um texto em que reproduzia o padrão dos críticos.

Mino gostou tanto que chamou o Geraldo na sua sala e disse que tinham finalmente descoberto quem poderia preencher o cargo de crítico de Artes. Mayrink veio falar comigo com um ar de suprema gozação. Ele tinha captado meu estratagema. Passamos uma hora discutindo como escapar daquela enrascada. Acabamos concluindo que a única maneira seria admitir, ao Mino, que eu não entendia nadica de nada de artes plásticas.

Mayrink não era apenas o grande texto da Veja. Era também o grande caráter. Na greve de 1978, três editores foram à assembléia, no Sindicato, com falsa pose de vítimas. Diziam que editor tinha cargo de confiança. Se a redação quisesse, eles também fariam greve. Mas apenas eles pagariam o pato.

Foi algo tão sem vergonha que provocou um grito do Juca Kfoury, chamando a um deles de “canalha”, se me recordo bem. Solidário com a turma, embora sem nenhuma ligação com a política, Mayrink foi na frente e explicou:

- Pessoal, a capa desta semana é minha. Guardei na gaveta e tranquei. Se sair a greve, não entrego.

Essa lealdade para com o grupo, mesmo detestando política, marcou toda sua vida e da Maria do Carmo, sua mulher, grande figura.

Depois da saída de Mino, a revista entrou em uma fase barra-pesada. Julgava-se que havia uma dissidência interna, depois que a redação redigiu um abaixo assinado contra a manipulação de uma pesquisa feita em Brasília por Dalembert Jaccoud - outro grande jornalista, doce, firme e leal.

Esses períodos de intensa pressão são excelentes para revelar o caráter de cada um. Há os desleais, os assustados, os omissos, os radicais e os leais. Mayrink pertencia ao último grupo. Jamais radicalizou, jamais fraquejou, jamais cometeu uma deslealdade que fosse.

Passou seu período da Veja, entrou em outras experiências jornalísticas.

Depois, perdemos contato. A última vez que o vi foi dez anos atrás, em um jantar do pessoal da Veja dos anos 70.

Dia desses, encontrei o Humberto Werneck na padaria da rua Sergipe. Ficamos de combinar um encontro dos velhos amigos. Esse dia a dia maluco de São Paulo impediu saborear a última conversa com o Mayrink."


*Luis Nassif

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