quarta-feira, junho 13, 2007

É ela quem acende a luz do corredor todos os dias. Às vezes também é ela quem apaga. Ela e aquele lugar têm uma tênue relação, como um fino fio de ligamento de destinos. Durante a segunda parte da infância e adolescência lembrava-se desse prédio. Vinha-lhe à mente uma entrada escura e uma estreita sala de espera. Era a sala de espera da psicóloga na qual seus pais as levavam – a ela e a irmã – quando pequeninas. Depois mudou-se, a inevitável separação dos pais, a vida seguiu, as pessoas cresceram, mudaram também, o lugar sempre vinha à mente.
Aos dezessete anos ela passava por uma fase de grandes modificações na vida. Tantas coisas realizadas nesse meio tempo... (A menininha da quinta série nem poderia imaginar). Estava agora trabalhando e o chefe decidiu que não precisava mais dos seus serviços de telefonista, mas ele gostava muito dela. Se há uma coisa que sempre fez bem foi enganar as pessoas e fazê-las acreditar piamente na sua competência. Na mesma conversa em que ele a dispensou, deu-lhe também um papelzinho com telefone e endereço de um conhecido que procurava uma funcionária. Desconfiou do endereço, mas calou. Ninguém poderia entender que aquilo no fundo tinha todo um significado.
No primeiro dia acreditou que não se adaptaria, e isso já faz quase dois anos. Aquele lugar a viu desistir da idéia de ser psicóloga, a viu decidir ser jornalista, a viu passar no vestibular, chorar alegrias e decepções familiares. Já testemunhou três namoros mal sucedidos, já a viu enraivecida com o patronato, já a viu ficar em exame, trabalhar até às nove da noite, chegar meia-hora atrasada, viu o início do seu primeiro livro e desconfio que ainda verá muito mais. Lá aprendeu a lidar com seres-humanos, tocar neles, ajudá-los, ser uma pessoa humilde. Foi lá que entendeu o que o velho Quintana quis dizer ao escrever que não importa a fome na China, o nossos calos sempre doem mais.
É incompreensível para qualquer um, mas para ela aquele lugar tem um “q” de seu crescimento. Existe, entre ela e ele, uma ligação que o destino não deixa romper. Existe algo que não deve ser quebrado até que ela enfim esteja pronta. E esse dia, parece, não tardará.

4 comentários:

Anônimo disse...

Lá aprendeu...
Lá aprendeu a converter as próprias inconveniências em agulhas quentes que rompiam sem piedade a pele medrosa daqueles que tocava...
E é esse gosto doce que ela não quer deixar.

((gargalhadas lúgubres))

Anônimo disse...

Hã? ? ?

Rayana Borba disse...

É incrível como esses lugares são um mix de sofrimento e felicidade. Compartilham cada segundo do que sentimos e vivemos. Fran, é realmente lá que crescemos. É lá que descobrimos que não podemos simplesmente agir como queremos. Existem regras.

: *

ciro roberto disse...

uma
autobiografia
não autorizada..

bj

tchau