quinta-feira, abril 05, 2007

Pela tarde o sentimento era de solidão. Os pensamentos ecoavam dentro da cabeça com tamanha vibração que doíam, enjoavam, ela não agüentava mais o som dos próprios devaneios.
Foi para casa, tomou um banho demorado, colocou a melhor roupa, o melhor perfume. Ela é assim, quando quer sentir-se melhor, perfuma-se.
Desceu as escadas e já estava fora quando o telefone tocou anunciando que o resto da noite seria ainda mais solitária. Ficou triste, mas resolveu seguir, ela é assim, sempre persiste, lá em frente sempre pode encontrar algo que valha a pena. E ademais, a noite que vinha chegando prometia ser bonita, seria um desperdício voltar.
Decidiu ir ao cinema, o filme não parecia ser dos melhores, seria apenas uma distração, um passatempo.
Restava-lhe ainda uma hora até o início da sessão, passeou um pouco pelos corredores, ficou observando cada um dos que passavam, avistou alguns rostos conhecidos que não a viram, ou que a viram e não a reconheceram, meditou sobre quantas pessoas já conheceu, sentiu inflar-lhe o ego pela capacidade de fazer amizades, tecer teias de convivências sociais. Estar sozinha neste momento em especial era quase por opção, com certeza não lhe faltariam "já estou a caminho" para alguns telefonemas que chamassem companhias, ou ao menos preferia acreditar nisso.
Deixou que o resto do tempo transcorresse na livraria enquanto lia as últimas páginas de um livro que devolvera naquela semana sem tê-lo terminado.
Faltando cinco minutos desceu à sala de cinema. Não se arrependeu em momento algum, gargalhou como criança, como a muito não fazia, como não faria se estivesse acompanhada, sorriu com sinceridade.
Bem devagar, sob a garoa, por entre as ruas do centro da cidade, foi-se indo embora. Pensou no jovem mago e em menos de dois segundo já o avistou. Foi inevitável conter um largo sorriso. Ela nunca tem certeza de que ele se lembra dela, tem a impressão de que em cada uma das muitas vezes que o encontrou caminhando pelas noites da cidade, ele falava com uma mulher diferente, e o mais fascinante, conhecia-a tão bem. Como em cada uma das vezes, dedicou-lhe poesias, sim, esse era o seu ofício, o de poeta, mas sempre soava-lhe profundo e sincero. Mandou-a sorrir, caçoou novamente do rubor do seu rosto, disse-lhe que a fizessem muito feliz, porque para isso tinha vindo ao mundo. Despediu-se com um gostoso abraço e seguiu caminhando, passou pela praça, uma roda de mendigos tocavam violão animadamente, lembrou-se que nem ao menos sabia o nome do mago e pensou que essa noite, como também em todas as anteriores, poderia ser a última vez que o via. Afinal são assim os nômades, um dia se vão e deixam saudades.
Voltou para casa com a sensação de ter achado aquilo que fora procurar, aquilo que lá na frente valeria a pena.
Sobre a cama encontrou uma caixa de bombons e um bilhete da mãe, Feliz páscoa e não como tudo de uma vez, sentiu-se novamente uma criança, era assim que a mãe ainda a via, como uma criança matreira.
Respirou fundo, a lembrança de um perfume, sentiu-se feliz.

2 comentários:

Anônimo disse...

Adorei!

Escreve mais? ? ? (leitora compulsiva)

[jb] jotabê disse...

belo blog.
belo texto.

parabéns

sds

[jb]