quarta-feira, novembro 14, 2012

Benedetti...


O primeiro dia


O bebê foi matriculado em um jardim de infância, pois sua mãe precisava voltar a trabalhar. Ele ainda era apenas um pequenino, mas não qualquer pequenino. Tinha alguma coisa a mais que dava para ver nos olhos, algo que muita gente grande não tem.

No momento de entregá-lo às professoras seus pais tiveram aquele frio na barriga característico do primeiro dia. Uma das professoras era negra e o bebê havia tido pouquíssimo contato com pessoas negras em sua curta vida, por isso todos acharam que ele estranharia no primeiro contato.

Mas o bebê abriu os braços e deu-se sem reservas, ignorando a distinção de cor ou o desafio do primeiro dia longe de casa, tentando tocar o rosto da professora, como só fazia com sua mãe. 

Era mesmo um bebê inteligente. 

domingo, novembro 11, 2012

Talvez...

Um dia ligou e apresentou-se como aquele garoto que a conhecera há 15 anos, no interior. Uma parenta incomum havia lhe passado o telefone. Disse que viria morar na cidade dela. Convidou-a para sair. Tentou desenvolver um assunto. Ela não deu bola, despistou-o logo. Na verdade, achou-o chato. A mesma coisa aconteceu outras vezes, mas ela já não lembrava quando veio a notícia inesperada: matara-se. Tristeza não seria a palavra, já que nem o conhecia. Mas não podia deixar de pensar que, mesmo sendo uma possibilidade remota, mesmo sendo prepotência, talvez pudesse ter salvado uma vida.

sábado, novembro 03, 2012

Sobre a capacidade de ser quem se é

Era tarde da noite e uma quantidade considerável de álcool já havia sido ingerida. Havia um homem sentado na frente dela que falava sem parar. Ele tinha um tom de voz doce que não combinava com sua idade, já um pouco avançada, nem com seu porte físico imponente. Falava frases moles, clichês, coisas falsamente profundas. Tentava impressioná-la, provavelmente procurando moldar a si mesmo de acordo com o que achava que ela gostaria. Mas a moça não prestava muita atenção. Na verdade, ela exercitava algo que gostava de fazer às vezes: prestar atenção no que via, como se visse pelo visor de uma câmera fotográfica, regulando o foco com os próprios olhos – às vezes deixando o homem em primeiro plano, às vezes em segundo. Era um prazer muito pessoal, que contado em voz alta pareceria loucura. Não valeria à pena tentar mostrar a ele quem realmente era e as coisas que pensava. Ele poderia demorar anos para entender e uma só noite já estava bastante entediante. Tomara que ele encontre alguém por aí que se impressione com o tipo de coisas que ele fala, pensou ela, enquanto sorria um sorriso de gentileza e balançava a cabeça afirmativamente para alguma coisa qualquer. Ou, melhor, tomara que ele encontre alguém por aí que não o faça sentir necessidade de fingir. Então ela tomou um taxi e se foi.