sábado, novembro 03, 2012

Sobre a capacidade de ser quem se é

Era tarde da noite e uma quantidade considerável de álcool já havia sido ingerida. Havia um homem sentado na frente dela que falava sem parar. Ele tinha um tom de voz doce que não combinava com sua idade, já um pouco avançada, nem com seu porte físico imponente. Falava frases moles, clichês, coisas falsamente profundas. Tentava impressioná-la, provavelmente procurando moldar a si mesmo de acordo com o que achava que ela gostaria. Mas a moça não prestava muita atenção. Na verdade, ela exercitava algo que gostava de fazer às vezes: prestar atenção no que via, como se visse pelo visor de uma câmera fotográfica, regulando o foco com os próprios olhos – às vezes deixando o homem em primeiro plano, às vezes em segundo. Era um prazer muito pessoal, que contado em voz alta pareceria loucura. Não valeria à pena tentar mostrar a ele quem realmente era e as coisas que pensava. Ele poderia demorar anos para entender e uma só noite já estava bastante entediante. Tomara que ele encontre alguém por aí que se impressione com o tipo de coisas que ele fala, pensou ela, enquanto sorria um sorriso de gentileza e balançava a cabeça afirmativamente para alguma coisa qualquer. Ou, melhor, tomara que ele encontre alguém por aí que não o faça sentir necessidade de fingir. Então ela tomou um taxi e se foi.

Um comentário:

Halter disse...

Um mundo diferente pelo obturador