segunda-feira, maio 26, 2008

A partida

Hoje nós temos que aproveitar a noite, meu amor. Não me deixe partir porque eu não pretendo voltar. Não tão cedo. Quando o dia clarear vou embora para uma cidade bem longe e grande. Não, não pense que não vou voltar por não haver meios; talvez você não entenda, nem lhe peço isso, eu apenas não vou querer voltar. Conhecerei pessoas novas, vou me apaixonar mais uma vez – e mais outra, e mais outra...
A saudade que sentirei de ti e de tudo o que há por aqui provavelmente deixará meu coração apertado às vezes. Não é que eu não vá ter vontade, mas tão cedo eu não vou querer voltar. Não me peça para explicar mais, é um pressentimento e eu não costumo errar.
Então não me deixe ir embora hoje. Vamos a qualquer lugar. Conte-me de você, escute com paciência os meus infinitos e estridentes argumentos. Depois sorria para mim. Faça com que eu tenha vontade de me esconder atrás de você e me diga alguma coisa que me faça olhar-te com olhos esbugalhados de admiração.
Ande bem devagar ao meu lado. Vamos fingir que essa é a velocidade normal. Vamos prolongar cada passo, cada segundo. Porque amanhã eu vou embora. Não poderei levar tudo que tenho. É certo que não são muitas coisas, mas não vou conseguir carregá-las. Só vou levar o que gosto mais, com excessão de você, porque eu não quero que você vá – e nem você vai querer ir. Sei que todos os objetos que amo e que me são tão caros vão acabar cada qual na casa de alguém indiferente – e desimportante. E um dia eu vou descobrir que aquele livro maravilhoso tem então um bode, versão desenho de criança, desenhado na contracapa, cheio de pó no fundo da estante de uma casa qualquer.
Por esse tempo você vai achar que me esqueceu. Mas um dia, depois de muitos anos, eu vou voltar. Alguém vai morrer e eu vou ter que voltar. E então eu vou te fazer lembrar daqueles dias e de como nós conseguíamos andar devagar; vivíamos em um balão colorido, flutuando pelo céu, a mil por hora. Você vai, não sem antes hesitar, perguntar-me por que nunca voltei. Vai perguntar por que eu te deixei envelhecer. E eu vou responder que não sei. O fato é que nunca voltei.
Eu não voltarei, meu amor. Amanhã vou embora para uma cidade bem grande. Que fica muito longe.

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