sexta-feira, dezembro 29, 2006

A casa da avó


O cheirinho que sinto agora, chegando próxima à hora do almoço, é de bacon. A casa, pensava eu ontem ao chegar, mesmo passado um ano inteiro sem a ela retornar, acho-a familiar, a ponto de parecer-me que venho aqui todos os dias. Há coisas com as quais nos acostumamos, sabemo-las de cor, e isto sem nos darmos conta de como, visto que, contato freqüente com elas não temos. São infinitos pequenos contatos com grandes intervalos de tempo ao longo da vida que nos fazem conhecer tais coisas de forma muito íntima, como se sempre lá estivéssemos.

Assim me sinto todos os anos quando visito a casa de minha avó materna, em uma pequena cidade chamada Canoinhas, no planalto norte de Santa Catarina. A casa ainda possui a mesma fronte, e a cada ano parece mais desgastada. O mesmo jardim, sempre com pequenas mudanças que lhe dão um ar de novidade. O mesmo portãozinho que ao ser empurrado anuncia, com um barulho agudo e enferrujado, aos que cá dentro estão, a chegada de um novo visitante. É possível que alguns instantes após o barulho denunciante do portão, quem adentre pela porta seja um tio que mora próximo e vem apenas pelo prazer de estar com os parentes e com eles compartilhar um chimarrão. Ou ainda, é possível que quem venha seja um dos inúmeros tios e primos que nesta época hospedam-se na casa e que mais cedo tenha saído para buscar algum ingrediente que será utilizado no preparo de uma gostosa sobremesa. Ou então, mais raramente, o leiteiro ou o jardineiro...

Na sala de televisão uns tantos assistem alguma coisa, sempre há um ou dois solitários, se é que é possível que um mais um resultem em dois solitários, lendo algum livro na sala de estar. Estes livros podem ser ou não de “boa qualidade”, o mais provável, porém é que, na maioria das vezes, não sejam, visto que lembro de ter-me apegado à leitura a partir do exemplo das tias que passavam as férias lendo romances melodramáticos com nomes como “Sabrina em Paris” ou ainda “Paixão na Casa do Lago”. Na cozinha, é certo, sempre haverá a avó, acompanhada de outras tias preparando algum prato com um cheiro muito gostoso. Lá também é provável encontrarmos algumas primas que, salvo em algumas exceções, estarão sentadas à mesa folheando alguma revista ou ditando para tias e avó a receita do tal prato que, ah como cheira bem!

Para quem, como eu, acostumou-se com a vida agitada de estudante da cidade, os dias aqui se tornam intendentes, visto que o preparo da comida e o fazer-sabe-se-lá-o-quê sentada na cozinha não me agradam muito. São os dias do ano em que mais leio, mais penso na vida, mais revejo velhos filmes, mais jogo partidas dos mais variados jogos com os primos.

Os primos. Não são como as tias que a cada ano se parecem mais com si mesmas, os primos crescem. É estranho como depois de tanto tempo achamos que ao encontrá-los eles nos acharam mudados (porque sim, nós podemos garantir que mudamos muito), mas ao vê-los quem por pouco não cai para trás somos nós. Como eles cresceram, parecem até adultos, onde foram as crianças que brincaram conosco na infância? Namorados de primos são algo com o qual jamais nos conformamos... Mas em menos de um dia já parecemos crianças novamente e jogamos partidas de baralho até amanhecer e rimos muito nos lembrando de segredos e situações só nossas, alguém propõe brincar de “gato-mia”, olhamo-nos analisando a possibilidade, mas não! Já não somos mais crianças.

Ao fim de uma semana alguns começam a ir embora. Este ano sou uma das primeiras a me despedir, não passarei o heveillon com a família. Quinze minutos antes de ir sento no baú da cozinha, que fica ao lado dos três degraus mais significativos da minha vida e olho para minha avó, já tão velha, mulher castigada pela vida, olho para as tias, para os primos, para o fogão a lenha... Neste momento tenho a estranha impressão de que não vou voltar tão cedo, e que quando eu voltar as coisas já não serão mais tão iguais, do jeito que sempre foram.

Francine Hellmann

2 comentários:

Anônimo disse...

Ah, agora até lembrei de quando eu ia para a casa da minha avó paterna. Passava o dia inteiro correndo pra lá e pra cá: atravessando pontes, jogando gravetos na água, até o dia em que caí num lago (trauma, hahaha). Falava com o papagaio, puxava a orelha dos bezerros e brincava com os patinhos recém-nascidos.

Acho que o mais legal de um lugar assim, é poder fazer tudo de novo sempre que se volta lá (no meu caso, nunca mais). Desconheço essa brincadeira "gato-mia", mas acho que nunca é tarde para voltar a ser criança, ou quem sabe, nunca deixar de ser uma.
Assim como diz na descrição do seu blog: "nem todo mundo tem que crescer..."

Géh disse...

Ótimo conto/crônica como quiser chamar. Como editora a mais de dois anos, reconheço um bom texto quando o leio.

bjs
Géh.