sexta-feira, agosto 13, 2010

Carta do professor Jacques Mick sobre o veto nas bancas de monografia

Florianópolis, 12 de agosto de 2010.

Para Diretório Acadêmico Cruz e Sousa


Fui comunicado na noite de terça-feira, pelo coordenador de ensino superior do Ielusc, p. Leandro Otto Hofstätter, que por ordem do diretor geral, p. Tito Lívio Lermen, minha participação na banca da monografia “O pecado original do PT: A constituição do Partido dos Trabalhadores em Joinville”, da aluna Francine Hellmann, do Curso de Jornalismo do Bom Jesus/Ielusc foi unilateralmente cancelada.

Leandro justificou a decisão arbitrária e desrespeitosa com um argumento inaceitável: o
cancelamento é uma retaliação de Tito à minha participação na carta aberta à comunidade do Bom Jesus/Ielusc, subscrita por 19 ex-docentes. Tito avalia que, ao endossar críticas que o atingem diretamente, eu teria quebrado a “confiança” que ele teria em mim – e, por tal razão, determinou que eu não mais participasse da banca.

Há muito a dizer sobre os significados da ação de Tito. Como pontos de partida, tomo o projeto político pedagógico do curso de Comunicação Social e o plano de desenvolvimento institucional do Ielusc – dois documentos que perderam o sentido, à luz da decisão do diretor geral.

Ironicamente, um dos valores da instituição é a “alegria em recriar e ressignificar o espaço de diálogo humano”. A censura de que fui vítima, evidentemente, é a negação do diálogo. Não é um problema menor. O documento que consolida a política educacional da IECLB afirma, textualmente, que “um dos princípios da dignificação do ser humano é o respeito à sua individualidade. [...] [D]eve-se salvaguardar o direito à individualidade e promover a autonomia de pensamento, que consiste na capacidade de reflexão crítica, no discernimento e na tomada de decisões. A relação entre educador e educando acontece através da experiência dialógica, que é caracterizada pelo saber ouvir, pelo respeito mútuo, pela cumplicidade e pela criticidade. Essa relação não precisa se dar necessariamente no nível do mesmo conhecimento, mas, essencialmente, no acesso às condições dignas de viver em sociedade e de experimentar e produzir conhecimento.”

A decisão de Tito despreza o projeto pedagógico do curso de Comunicação, construído coletivamente durante muitos anos pela maioria dos professores. A participação de professores de outras instituições em bancas de avaliação de TCCs consolidou-se como instrumento para a qualificação do debate e o estímulo à criatividade nas interpretações dos textos. Momentos
memoráveis na história do curso estão relacionados a tais participações, em bancas assistidas por dezenas e, mais raramente, mais de uma centena de alunos. O ato violento de Tito demonstra a incapacidade do diretor geral de compreender o espírito que orienta o PPP, que combina o respeito à tradição dos saberes na área de conhecimento a um modo singular de apreender o inesperado:



Contemplar o desafio da aventura no âmbito mais geral dos acontecimentos
imprevisíveis é procurar responder à dimensão que articula este projeto pedagógico:
o acontecimento é aquilo que advém muitas vezes inesperadamente. Saber lidar com
os acontecimentos é tarefa difícil, mas absolutamente urgente como utopia
acadêmica.

Esse desafio se expressa de duas maneiras. A primeira, quando os cursos são forçados, pelas circunstâncias ou contextos, a dar respostas a problemáticas que lhes são exteriores por delimitação institucional. Trata-se de procurar ser digno daquilo que acontece. Os problemas da fome, do analfabetismo, da cidadania, ou mesmo uma violência, um susto, uma obra de arte que apareçam, exigem reconfigurações maleáveis do aparelho curricular da tradição para dar conseqüência à missão universitária. O que daí advém é a criação de uma Universidade que está em devir.

A segunda maneira é esta da aventura propriamente dita, em que a Universidade não apenas responde aos acontecimentos fazendo-os proliferar, mas também os produz. Segundo Derrida, a Universidade é um lugar de discussão incondicional, onde o que importa é fazer com que algo aconteça, um lugar onde nada está livre de questionamento (2003:15-18). Nesta perspectiva, os cursos do Bom Jesus/Ielusc não são um simples lugar de preparação, mas um lugar de exercício de relações éticas baseadas nos princípios de cidadania. É claro que os papéis que o aluno experimenta em sua trajetória acadêmica não são os mesmos que vivenciará no exercício profissional, mas desde o lugar de aluno ele pode – e deve – experimentar relações de busca, de dedicação, de realização e mesmo de disputas por idéias e por suas concretizações.




Bastaria a referência a “um lugar de exercício de relações éticas” para opor o PPP ao diretor geral.

A decisão de Tito me magoa porque é um desrespeito à aluna (e por extensão a todos os alunos) e à orientadora (e por extensão àquela parte do corpo docente que luta para defender a integridade do PPP). Compor uma banca com avaliadores rigorosos e críticos era um direito do aluno e de seu orientador; a liberdade dessa escolha foi solapada autoritária e desrespeitosamente por Tito. Creio que alunos e professores não irão admitir passivamente esse tipo de violência, que atinge frontalmente a autonomia pedagógica. Combatê-la é uma ação educativa, de afirmação da cidadania, de reiteração de convicções – e é fundamentalmente por isso que escrevo este texto.

Interpreto a decisão, por fim, como um desrespeito pessoal – nos nove anos em que trabalhei no Ielusc, orientei 40 alunos em seus trabalhos de conclusão de curso, participei de mais de 30 bancas como avaliador, publiquei um livro e artigos em livros e revistas na condição de professor da instituição. Divergi muitas vezes de Tito, em privado e em público; apesar disso, cooperei (como, aliás, é de cooperação o espírito da carta aberta dos ex-docentes).

A decisão de Tito revela que cometi um engano. Sempre o considerei um gestor de limitadas competências, incapaz de transmitir a seus colegas de direção as orientações elementares necessárias a que fizessem seu trabalho – mas nunca achei que Tito fosse incapaz de entender e respeitar o que é próprio do ambiente acadêmico: a diferença, a divergência intelectual. Durante o semestre em que fui diretor interino do curso de comunicação, em 2004, lembro que me surpreendi pela falta de informações elementares para que pudesse tomar as decisões inerentes ao cargo: qual deve ser a composição ideal do corpo docente quanto à titulação e carga horária? Qual o valor máximo que a folha de pagamento deve consumir? O que priorizar? Onde e por que reduzir despesas? Trabalhar com Tito, durante aquele semestre, foi semelhante a tripular um navio sem capitão. Achei, no entanto, que as competências limitadas tinham como horizonte apenas esse aspecto – o da gestão – e que haveria, da parte dele, compromisso com a constituição de uma instituição acadêmica de alto nível. Eu estava claramente enganado.

Lamento também a falta de dignidade em que estão mergulhados Tito e seus subordinados diretos. A decisão do diretor geral me foi comunicada por telefone, por um coordenador de ensino aparentemente envergonhado do que fazia. Perguntei a Leandro se ele concordava com esse absurdo – ele esquivou-se atrás das ordens superiores. Desde a leitura de Hannah Arendt do
julgamento de Eichmann, sabemos que esse é o tipo de argumento que endossa a banalidade do mal. O burocrata não sente culpa pelo holocausto (neste caso, pela censura) – ele não vê nada além da hierarquia e da norma.

A retaliação a que fui submetido é um sintoma – um corpo se decompõe. Sei que as instâncias
superiores do Ielusc acompanham as mudanças de gestão impostas desde o início do ano (às quais não preciso me referir, já que a carta aberta o faz plenamente). Nesse contexto, como será interpretada por tais instâncias a decisão de Tito de censurar a composição das bancas? Será ela vista como algo que corrobora a incompetência de Tito para seguir à frente do Ielusc? Ou será legitimada, e o Ielusc será, doravante, pouco mais do que uma escolinha – a escolinha dos amigos do pastor Tito, daqueles que dele não divergem? A segunda alternativa recriaria o tipo de obscurantismo combatido por Lutero – mas estou certo de que Tito tampouco age sob a perspectiva religiosa. O que o motiva é uma mistura do rancor mais vulgar com o provincianismo, a vaidade, o apego miserável ao cargo ou ao salário.

Creio que o DACS saberá dar ao tema a importância que merece. Fiquem à vontade para dar a esta carta a visibilidade que julgarem mais adequada.


Atenciosamente,

Prof. Dr. Jacques Mick

Um comentário:

Carvalho disse...

Pau no cu do Tito?