domingo, março 08, 2009

A mulher, o ônibus e a Kombi

Quando o motorista entrou, registrou alguma coisa na máquina de cartões e sentou-se em seu lugar. Deu a partida e, pela milésima vez, vi aquele terminal passando pelo vidro da janela em um final de tarde de domingo. Sentávamos todos virados para frente na direção em que seguia o ônibus. Lembrei das Kombis que me levavam à escola quando pequena e achei que o humor nesse ambiente era exatamente o oposto daquela euforia infantil. Íamos muito sérios. Parecia que todos queríamos estar sozinhos e era assim que dispunhamos nos assentos. Mas não havia lugares o suficiente para que ocupássemos um par de bancos cada. Assim, aqueles que tinham mais vontade de sentar do que de estar só instalavam-se ao lado de outros. Os que haviam chegado primeiro, por sua vez, ficavam insatisfeitos, porém não esboçavam reações: permaneciam imóveis e fingiam que o vizinho não existia. Parecíamos bonecos de cera. Não! Às vezes bonecos de cera são feitos sorrindo, parecíamos mesmo robôs. Era inevitável não relacionar a cena a um clipe cinzento, metálico ou futurista.
Eu estava afogada nesses pensamentos quando aquela mulher entrou. Estava molhada, despenteada e descalça. Perguntou com a voz inconveniente de quem corta longos silêncios em lugares comunitários se ainda dava tempo de tomar água antes de o ônibus partir. Contrariado, o homem que sentava em frente a ela respondeu que não sabia.
Sentou meio desajeita de frente para nós, naqueles bancos em que se vai de costas, e ficou nos observando. Seu olhar era ainda mais incômodo do que sua voz. Achei que, pelos olhos dela, todos víamos a nós mesmos. Eram olhos curiosos que nos levavam a autocensura e, de repente, me dei conta da expressão carregada que eu tinha no rosto e do quanto pesavam meus sapatos. Girei sobre os ombros e constatei que ela não tinha invadido apenas a mim. Cada uma daquelas pessoas, conscientes ou não, sentia-se desconfortável com a sua presença.
A diferença da mulher acentuava a medíocre igualdade dos outros. Lembrava-nos de nossos trabalhos chatos, relacionamentos sem vida, roupas de tons cinzentos, revoltas caladas, angústias acostumadas, enfim, de nossas vidas ruins.
Foi aí que entendi porque não gostamos desses lugares que nos deixam de costas. Estava tudo explicado, o mal estar e a ânsia de vômito: Sentados ali enxergávamos mais.

Nenhum comentário: