terça-feira, agosto 28, 2007

A Dor

Não havia canto do quarto em que, agachada, fizesse passar aquela horripilante dor. Não havia lado nem posição. Não adiantava gritar, fechar os olhos, acalmar a mente. Não adiantava chorar. Não adiantaria chamar pela mãe, muito menos pelo pai, tão longe estava. Não adiantou urinar, tomar um banho morno. Tentou manter-se serena, usar a força da mente. Tentou gritar à própria cabeça que parasse, que parasse de girar. Mas não adiantava porque quem girava, na verdade, não era ela, era o mundo. Na escuridão a luz era intensa. Lembrou-se do sol, de toda aquela luz arbitrária, que entrava em todos os lugares, em todas as frestas, em todos os quartos. Mas de onde vinha a maldita claridade àquela hora da noite? Abriu os olhos e se deu conta de que, tal como no romance de Saramago, a claridade estava do lado de dentro das pálpebras. Não adiantava gemer, não adiantou bater três vezes com a cabeça na parede. Não queria, não queria por nada nesse mundo. Resistiu até onde pôde. Finalmente levantou-se, foi até a cozinha, ainda mais uma vez olhou receosa as bolinhas brancas. Engoliu o grito de ‘parem o mundo’, engoliu o grito com água e duas bolinhas brancas. Sentiu a droga descendo por sua garganta; veio a ânsia, o arrependimento imediato, depois o conformismo. Enfim, rendera-se. Vil animal feito de fraquezas; tão pequeno, tão medíocre, não pôde com suas próprias dores... Parada em frente à pia da cozinha começava já a gozar do alívio. Deitou-se, ainda pôde perceber o mundo que desacelerava. Adormeceu.

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