domingo, outubro 22, 2006

Noite sim, noite não

Noite sim, noite não, travavam uma batalha pessoal. Ela jurara nunca desistir, ele parecia ter se comprometido com o contrário. Ela, uma moça transpirando jovialidade, cabelos longos e muito loiros que vinham esvoaçando em direção a ele sob o sereno da noite. Não importava quão difícil teria sido o dia, noite sim, noite não, enchia-se de disposição e voltava a insistir.
Ele, homem de cabelos experientes e olhos que, noite sim, noite não, entravam abertos na madrugada, não mostrava entusiasmo algum, fingia não conhecê-la.
A história havia iniciado há cerca de sete meses, em alguma noite do mês de abril, logo que ela se mudará para lá. Todas as noites ela voltava da faculdade, descia no ponto da rua principal, virava a primeira à esquerda, seguia reto a ruazinha deserta e, noite sim, noite não, lá estava ele, sentado no único ponto iluminado do perímetro, em sua guarita.
Ela se aproximava e, por um instante, não mais do que três segundos, podia observá-lo nitidamente através do vidro. Noite sim, noite não, lá estava ela, parada em frente ao portão. O meio segundo que ele demorava a abrir a passagem de pedestres era suficiente para que novamente emergisse o pensamento: "Será hoje!"
Entrava, virava-se lentamente e partia para uma nova investida:
- Boa noite! - Exclamava ela.
Nada! Nem uma expressão facial ou corporal, nem uma palavra. Completamente apático. Como ele conseguia? Era o que ela se perguntava sempre.
Ele era um caso a ser estudado, os estudiosos do Interacionismo Simbólico não teriam conseguido explicar-lhe tal falta de expressão. Não era uma estátua, não era um fantasma, quiçá um homem. Era um porteiro.
Um porteiro que nunca dizia “boa noite”, um porteiro que não comentava como estava o tempo...
E assim, noite sim noite não, ela voltava a cumprimentar-lhe, sempre com o mesmo entusiasmo, já havia tomado aquela situação como desafio pessoal.
Por vezes pensou em desistir, estava cansada daquilo, é complicado persistir em uma relação em que não há cooperação mútua. Mas sempre acabava voltando atrás, seria melhor para os dois que continuassem a luta, era um exercício de crescimento pessoal.
Lá por meados do mês de agosto ela ainda não havia tido progressos significantes. Esta noite estava acompanhada de um vizinho. No trajeto da ruela escura perguntou ao companheiro de passadas há quanto tempo morava no condomínio. Dez anos, respondeu-lhe e perguntou à moça porquê da indagação. – Por nada, apenas algo que me ocorreu.
Quando chegaram à guarita suas desconfianças se confirmaram:
- Boa Noite!- Exclamou o porteiro sorridente.
- Dez anos? – interrompeu ela atravessando-se a frente da resposta do acompanhante.
- O que disse? – perguntou-lhe o vizinho.
A garota nada respondeu. Demoraria dez anos para conseguir tal feito? Com certeza até lá já estaria terminando seu mestrado, talvez estivesse casada ou até mesmo com filhos. Era algo no qual precisava pensar. Valeria a pena o investimento de tanta energia e tempo? Sim, porque três segundos diários podem parecer pouco, mas estes três segundos, multiplicados por dez anos seriam um tempo significativo.
Aquela noite não conseguiu dormir. Sua mente não parava de raciocinar, precisava tomar uma decisão importante. E tomou.
Quando surgiram no horizonte os primeiro traços de claridade na manhã seguinte, ela já estava descendo as escadas, queria vê-lo antes da troca de turno. Durante a noite havia medido todos os prós e contras, pensou na quantidade de músculos que havia visto-o mexer, teve a impressão de ter visto até mesmo dentes... Não podia desistir. Agora ela sabia que a missão não seria impossível.
Estão agora em fins de outubro, ultimamente ela tem sentindo progressos. Outro dia chegou a mexer os lábios. Mas na maioria das vezes continua, noite sim, noite não, sentado em sua guarita, olhando fixo para o portão de carros, não comunicando coisa alguma, não comunicando nem o fato de não comunicar. Ela continua persistente, noite sim, noite não, uma nova tentativa...

2 comentários:

Anônimo disse...

no começo parecia ki era uma história di amor huauhahuahua
coitado do porteiro, deixa ele! huauhahuahua

TIAGO SANTOS disse...

...
...
me identifico com o porteiro...
...

Por que um 'porteiro', Fran?

um porteiro é alguém que guarda portas pra mim. Um guardador de portas em silêncio...