quarta-feira, outubro 29, 2008

Sobre quando as crianças crescem

Não eram mais crianças. Um dia se encontraram num assalto. Ela a assaltante, ele a vítima. Não que a cidade em que moravam fosse muito grande a ponto de não poderem nunca, sendo dois jovens da mesma idade, ter se encontrado. Eles apenas moravam em planetas diferentes.
Para poder opinar sobre a infância em tempos, diz-se, de pós-modernidade, só no que pude pensar foi neste ato sublime de união entre duas classes sociais tão opostas: o assalto.
Não fossem todos os fatores imagináveis somados ao fato de ela não vestir-se tão bem como ele, estes dois formosos jovens poderiam ter se apaixonado. Havia neles uma coisa em comum: cada qual morava em um planeta.
Na educação dele influenciaram as revistas de educação, as orientadoras psicopedagógicas da escola onde estudou e os programas educativos da TV por assinatura. Na dela, a escola sem biblioteca, o tio revendedor de crack e a pouca atenção da mãe que cuidava de mais cinco filhos pequenos.
Viveram suas infâncias ao mesmo tempo, mas não era de infâncias como a dela que se falava nos comerciais de Nescau. Ele também era de certa forma excluído, na lista dos mais procurados não havia nenhum parente.
Então, ela sussurrou que ele passasse o relógio e todo o dinheiro que levava na carteira. Ele pôde sentir o seu mau cheiro e apenas o medo impediu-o de vomitar. Ela sentiu seu perfume e ele era tão belo quanto os meninos dos seriados TV.
Na escola que ela freqüentou quando criança, as aulas eram improdutivas e o que mais se aprendia era a física relacionada à velocidade e peso das bolinhas de papel. Na hora da merenda, feijão de terceira qualidade. Para ela, a comida era gostosa e, muitas vezes, a melhor parte de ir para a aula. À tarde, pipa nas ladeiras do morro onde morava uma amiga sua ou atirar pedra no esgoto a céu aberto, em frente a sua casa. Algumas vezes, ela nem dormia em casa e sua mãe parecia nem perceber.
Na escola dele, professores especializados ensinavam brincando e as bibliotecas eram projetadas para se mostrarem sedutoras aos olhos do futuro da humanidade. Ir para a aula só era chato porque o fazia perder algumas horas em que poderia estar na internet. As suas navegações na internet eram restringidas por seus pais, que o julgavam jovem demais para ter contato com todo tipo de imagens horrorosas que a web pode oferecer. Para ocupar o restante do dia, ele ainda fazia inglês e natação.
Quando ela colocou os pertences no bolso, falou-lhe ainda que se gritasse ganharia um corte na garganta. Então, abaixou o caco de vidro com que o ameaçava e saiu em disparada para o lado oposto de onde viera.
Ele ficou parado, soluçando em estado de choque. Estava apenas passeando inocentemente pela praia. Nunca antes, alguém no mundo sofrera tamanha injustiça.
Naquela tarde, o pai dele demitiu mais seis empregados com cinco filhos cada.

Um comentário:

Carvalho disse...

6,5!
É bom estudar um pouco mais!
Fim do ano tá chegando... não vais ficar em exame.
Não me surpreendi quando vi o sexo da assaltante. Vindo de quem vem...