quarta-feira, dezembro 23, 2009

Fabricada ocupada Flaskô

Estes dois vídeos fazem parte do documentário exibido no Multishow sobre a luta diária dos trabalhadores da única fábrica ocupada do Brasil, a Flaskô, em Sumaré, São Paulo.

A fábrica foi tomada pelos trabalhadores em 2003, após ter sua falência decretada. Desde então os trabalhadores lutam pela manutenção de seus empregos e pela estatização da fábrica.




segunda-feira, dezembro 21, 2009

Direito ao delírio

"Já está nascendo o novo milênio. Não dá para levar muito a sério o assunto: afinal, o ano 2001 dos cristãos é o ano 1379 dos muçulmanos, o 5114 dos maias e o 5762 dos judeus. O novo milênio nasce num 1º de janeiro por obra e graça de um capricho dos senadores do Império Romano, que um bom dia decidiram quebrar a tradição que mandava celebrar o ano-novo no começo da primavera. E a conta dos anos da era cristã deriva de outro capricho: um bom dia, o papa de Roma decidiu datar o nascimento de Jesus, embora ninguém saiba quando nasceu.

O tempo zomba dos limites que lhe atribuímos para crer na fantasia de que nos obedece; mas o mundo inteiro celebra e teme essa fronteira.

Um convite ao vôo

Milênio vai, milênio vem, a ocasião é propícia para que os oradores de inflamado verbo discursem sobre os destinos da humanidade e para que os porta-vozes da ira de Deus anunciem o fim do mundo e o aniquilamento geral, enquanto o tempo, de boca fechada, continua sua caminhada ao longo da eternidade e do mistério.

Verdade seja dita, não há quem resista; numa data assim, por arbitrária que seja , qualquer um sente a tentação de perguntar-se como será o tempo que será. E vá-se lá o tempo que será. Temos uma única certeza: no século 21, se ainda estivermos aqui, todos nós seremos gente do século passado e, pior ainda, do milênio passado.

Embora não possamos adivinhar o tempo que será temos, sim, o direito de imaginar o que queremos que seja. Em 1948 e em 1976, as Nações Unidas proclamaram extensas listas de Direitos Humanos, mas a imensa maioria da humanidade só tem o direito de ver, ouvir e calar. Que tal começarmos a exercer o jamais direito de sonhar? Que tal delirarmos um pouquinho? Vamos fixar o olhar num ponto além da infâmia para adivinhar outro mundo possível: o ar estará livre de todo o veneno que não vier dos medos humanos e das paixões humanas; nas ruas, os automóveis serão esmagados pelos cães; as pessoas não serão dirigidas pelos automóveis, nem programadas pelo computador, nem compradas pelo supermercado e nem olhadas pelo televisor; o televisor deixará de ser o membro mais importante da família e será tratado como o ferro de passar e a máquina de lavar roupas; as pessoas trabalharão para viver, em vez de viver para trabalhar; será incorporado aos códigos penais o delito da estupidez, cometido por aqueles que vivem para ter e para ganhar, em vez de viver apenas por viver, como canta o pássaro sem saber que canta e como brinca a criança sem saber que brinca; em nenhum país serão presos os jovens que se negarem a prestar o serviço militar, mas irão para a cadeia os que desejarem prestá-lo; os economistas não chamarão nível de vida o nível de consumo, nem chamarão qualidade de vida a quantidade de coisas; os cozinheiros não acreditarão que as lagostas gostem de ser fervidas vivas; os historiadores não acreditarão que os países gostem de ser invadidos; os políticos não acreditarão que os pobres gostem de comer promessas; a solenidade deixará de ser uma virtude; a morte e o dinheiro perderão seus mágicos poderes, e nem por falecimento ou fortuna o canalha será transformado em virtuoso cavalheiro; ninguém será considerado herói nem idiota por fazer o que crê seja justo, em lugar de fazer o quem mais lhe convém.

O mundo já não se encontrará em guerra contra os pobres, mas sim contra a pobreza, e a indústria militar não terá outro caminho senão declarar a falência. A comida não será uma mercadoria, nem a comunicação um negócio, porque a comida e a comunicação são direitos humanos. Ninguém morrerá de fome porque ninguém morrerá de indigestão. As crianças de rua não serão tratadas como se fossem lixo, porque não haverá crianças de rua. Os meninos ricos não serão tratadas como se fossem dinheiro porque não existirão meninos ricos; a educação não será um privilégio de quem possa pagá-la; a polícia não será a maldição de quem não possa comprá-la; a justiça e a liberdade, irmãs siamesas, condenadas a viver separadas, tornarão a unir-se, bem juntinhas, ombro-a-ombro; uma mulher, negra, será presidenta do Brasil e outra mulher, negra, será presidenta dos Estados Unidos da América; uma mulher indígena governará a Guatemala e outra o Perú; na Argentina, as loucas da Praça de Mayo serão o exemplo de saúde mental porque se negaram a esquecer dos tempos da amnésia obrigatória; a Santa Madre Igreja corrigirá os erros das tábuas de Moisés, e o sexto mandamento ordenará que se festeje o corpo; a Igreja também ditará outro mandamento, do qual Deus se esqueceu: “amarás a natureza da qual fazes parte”; serão reflorestados os desertos do mundo e os desertos da alma; os desesperados serão esperados e os perdidos serão encontrados, porque eles são os que se desesperaram de tanto esperar e os que se perderam de tanto procurar; seremos compatriotas de todos os que tenham vontade de justiça e vontade de beleza, tenham nascido onde tenham nascido e tenham vivido onde tenham vivido, sem que importe nem um pouco as fronteiras do mapa ou do tempo; a perfeição continuará sendo um aborrecido privilégio dos deuses; mas, neste mundo confuso e fastidioso, cada noite será vivida como se fosse a última e cada dia como se fosse o primeiro.”

Eduardo galeano ~ Patas arriba La escuela del mundo al revés.
Livre traduação de Sérgio Homrich e do companheiro do PT e da Esquerda Marxista Airton Sudbrack

sábado, dezembro 19, 2009

Presente de um poeta

Hoje ganhei do meu camarada Juan Diego o livro Presente de um Poeta, de Pablo Neruda. Sem dúvida foi literalmente um dos presentes mais lindos que já ganhei.

Neruda era marxista. Para entender o que há por trás de seus poemas, é preciso compreender que a poesia é a materialização dos sentimentos e que não há nada mais comunista que o amor.

Segue um trecho do Discurso Del Prêmio Nobel, presente no livro:

“Um pobre e esplêndido poeta, o mais atroz dos desesperados, escreveu esta profecia: “Ao amanhecer, armados de uma ardente paciência, entraremos nas esplêndidas cidades”. Eu creio nessa nesta profecia de Rimbaud...
Sempre tive confiança no homem. Jamais perdi a esperança. Por isso talvez tenha chegado até aqui com a minha poesia, e também com a minha bandeira.
Em conclusão, devo dizer aos homens de boa vontade, aos trabalhadores, aos poetas, que todo o futuro foi expresso nessa frase de Rimbaud: só com uma ardente paciência conquistaremos a esplêndida cidade que dará luz, justiça e dignidade a todos os homens.
Assim a poesia não terá cantado em vão.”

quarta-feira, dezembro 16, 2009

PA do Aventureiro


Depois de 12 anos o meu telefone tocou e eu acordei assustada. Droga! Tinha me enganado sobre o horário. Meia hora depois, um pouco descabelada, alisando a saia e abotoando a sandália, eu chegava ao cenário do teatro ridículo. Havia mais políticos do que gente rodeando o lendário Pronto Atendimento Leste de Joinville. Mentira. Tinha bastante gente também. O povo, esse cara tão paciente, que esteve lá tantas vezes antes fazendo manifestações e exigindo a conclusão da obra, parecia muito feliz. Os políticos falavam com o povo com carinho, como padrastos que, depois do enteado crescido, esquecem todas as maldades feitas e alardeiam o quanto foram bondosos com a criança. Após três horas no sol escutando discursos, o povo entrou no PA se acotovelando e ficou muito satisfeito com a bonita pintura das paredes. Depois o povo foi indo para casa. Às 13 horas teria que voltar ali para tratar da insolação que tomara de manhã.

terça-feira, dezembro 15, 2009

O velório e a verdade

Quando sentiu o carro sair do controle Leandro manteve a tranquilidade. Foi muito inesperado, não era assim que as pessoas morriam. Ele tinha imaginado a morte muitas vezes e, por isso, sabia que aquele não era o momento. Apenas tentou manobrar e, mesmo quando a cerca de proteção se rompeu e o carro deslizou morro abaixo, ainda estava calmo.

Era 21 de setembro de 1999, primeiro dia da primavera, e havia um buquê de flores no banco traseiro do carro. Muito se falou sobre essa coincidência depois, mas foi como um retrato bonito que se tira ao acaso.

Às oito e meia o telefone tocou. Serena escutou apreensiva o que lhe falavam do outro lado da linha, depois parou em frente à janela, imersa em pensamentos profundos e, então, resolveu bater no quarto de Alícia.

− Filha.
− Mãe?
− Filha, o Leandro se acidentou.

Alícia ouviu tais palavras dos lábios da mãe sem se desesperar. Ainda estava um pouco sonolenta, e tentava inconscientemente criar uma barreira para rejeitar aquilo que todos mais temem ouvir. Em um relâmpago de pensamento lembrou-se de que dia era, imaginou flores e, sem saber explicar, teve uma certeza desesperada de que era impossível o pior ter acontecido. Talvez por esse motivo, quando Serena contou a ela que o ex-namorado morrera, Alícia teve meio minuto de incompreensão.

Mas não havia como negar. A notícia fora despejada em sua cabeça e de lá não sairia nunca mais. Primeiro um calor insuportável subiu pela garganta e uma lágrima pesada caiu. Depois outra e outra e soluços. Uma hora inteira de soluços. A mãe lhe deu chá e remédios, mas Alícia não dormiu. Estava em estado de choque, deitada com os olhos fechados e completamente acordada.

Há alguns dias a garota decidira pedir para reatarem. Haviam terminado há três meses, mas duas semanas depois voltaram a se encontrar. Agora, Alícia só conseguia pensar que não dera tempo e que tudo poderia ser diferente.

Naquela manhã Leandro voltava de um fim de semana na cidade em que moravam os pais e trazia flores para a avó. Não era justo. Alícia não acreditava em Deus, mas naquele dia ignorou isso só para poder culpar alguém.

Serena pediu que não fosse ao enterro. Não tinha motivo, dizia. Achava que a menina se sentiria muito pior, que a viagem seria dolorosa, que era melhor “lembrar dele vivo”. Mas Alícia nunca foi do tipo que atende a apelos e, mesmo após tantos sedativos, agiu com a conhecida obstinação.

− Eu vou.

E foi. Quando chegou à capela da cidadezinha em que a família de Leandro morava, Alícia não chorava mais. Observou as feições tristes, as lamúrias, os olhares distantes, as flores horrorosas, a falta da mãe que fora hospitalizada. Tudo fazia parte de um cenário clichê. Essa é a foto da morte e nunca ninguém cogitou mudá-la. Alícia tinha o rosto seco, mantinha-se muda e agora entendia a expressão “silêncio mortal”.

Deu um abraço na irmã do falecido e permaneceu ao lado dela, tentando descobrir o que havia de errado por ali. Percorreu com os olhos toda a sala, olhou para o caixão – ainda não chegara perto dele – e descobriu o que estava fora do lugar. Do lado direito do morto, chorando, havia uma moça de cabelos muito negros e olhos castanhos. Uma menina com feições comuns, magra e bonita, que tocava um Leandro desfalecido. Alicia soube que sobrava alguém exatamente ali. Baixou os olhos e teve certeza de quem faltava ao seu lado.

− É a namorada dele, falou a ex-cunhada.

Alícia já havia entendido e, tão rápido quanto tudo naquele dia, decidira calar-se. A menina era muito jovem, pensou. Não pôde evitar um humor proibido quando comparou a situação com as histórias de Nelson Rodrigues. Nem um pensamento egoísta da recente descoberta de que, mesmo vivo, Leandro não voltaria mesmo a ser seu. Naquele dia os dois amores de Leandro enterraram-no, mas Alicia o sepultou mais fundo, dentro de si.

Faz tempo que eu não ponho fotos aqui, mas é por que eu só gosto de colocar as mais especiais. A foto é de João Diego Leite.

Quem vai dizer tchau?

Quando aconteceu? Não sei.
Quando foi que eu deixei de te amar?
Quando a luz do poste não acendeu
Quando a sorte não mais soube ganhar
Não..
Foi ontem que eu disse não..
Mas quem vai dizer tchau?

Onde aconteceu? não sei.
Onde foi que eu deixei de te amar?
Dentro do quarto só estava eu
Dormindo antes de você chegar..
Mas não..
Não foi ontem que eu disse não..
Mais quem vai dizer tchau?

A gente não percebe o amor
Que se perde aos poucos sem virar carinho.
Guardar lá dentro amor não impede,
Que ele empedre mesmo crendo-se infinito.
Tornar o amor real é expulsá-lo de você,
Prá que ele possa ser de alguém!

Somos se pudermos ser ainda
Fomos donos do que hoje não há mais.
Houve o que houve é o que escondem em vão,
Os pensamentos que preferem calar,
Se não, irá nos ferir um não -
Mas quem não quer dizer tchau.

(...)

(Nando Reis)

quarta-feira, dezembro 09, 2009

Ciências

Os professores de ciências eram todos mentirosos, pensou
Ensinavam que as pessoas nascem, crescem e morrem
Todas nascem e morrem
Mas nem todas crescem